São Paulo, segunda-feira, 1 de maio de 1995
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O fim do exílio

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Ainda não tenho -e ignoro se terei- opinião sobre a reforma ortográfica que está a caminho. Desde logo, porém, me alegrei com a tardia reabilitação das letras exiladas, sobretudo com o retorno do ipsilone. Evidente que exulto em causa própria. Até hoje não engoli uma época em que os radicais da ortografia cismaram de escrever meu nome de família com i.
Cheguei ao exagero: recebi há tempos o livro do Sérgio Cabral sobre o Ary Barroso. Saudei esse livro antecipadamente, aqui mesmo neste espaço. Tentei lê-lo, apesar de o nome de Ary vir castrado com Ari. Não consegui ir além de duas páginas: aquele não era o Ary que eu conheci e do qual até hoje sou impenitente admirador. Vou esperar a segunda edição da obra, sei que o Sérgio é varão exemplar, cidadão respeitador das leis deste país, será obrigado, sob vara, a escrever certo o nome do autor de ``Rancho Fundo".
Numa discussão com um desses xiitas da ortografia, que não respeita sequer a grafia dos nomes de família, dei o exemplo do Millôr, nome que não existe, uma vez que o único Millôr no mundo é Mílton. O escrivão que o introduziu no Registro Civil ou estava bêbado ou tinha caligrafia miserável. O ``tê" virou ``ele" e o travessão que devia cortar a letra lá em cima ficou dando a impressão de acento circunflexo em cima da letra seguinte.
E há o caso dos Viannas com dois enes, bordão daquele juiz de futebol, as Annas, Elizeths, Myrians, Rodolphos, Ruys, Freyres, Newtons -são inumeráveis os nomes e prenomes que não tomaram conhecimento das mudanças na ortografia oficial.
Houve chefe de revisão em jornal carioca que chegou impor Kubitschek como Cubitscheque. Por causa dele, mereci do velho Deops uma anotação cruel numa das fichas daquele baluarte da ordem nacional: em nota ao pé da ficha, é feita a observação de que o ``elemento" (que era eu) também se fazia passar por outro nome -e anexava o recorte do jornal que anunciava a palestra de um Coni sobre um tal Shaquispire.

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