São Paulo, segunda-feira, 1 de maio de 1995
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Um negócio da China no Brasil

JOSÉ ALTINO MACHADO

Coisa difícil compreender os brasileiros. Pelo menos aqueles dignos de nota, que se tornam dirigentes do Brasil. Estou há muito tempo na Amazônia e sempre escutei o governo e a opinião pública discursarem sobre a vulnerabilidade da Amazônia, a falta de fiscalização e até a total ausência do próprio governo na região. Também já nos acostumamos a escutar que a Amazônia só é administrada, e mal, pela polícia.
Agora surge a ameaça de se abortar um sistema sofisticado, importado do Primeiro Mundo, para vigiar a Amazônia, policiá-la -como não poderia deixar de ser- e, quem sabe, conhecê-la. O negócio tem um nome ambicioso: Sivam -Sistema de Vigilância da Amazônia. Mas não é que, mesmo o país inteiro clamando por essa vigilância, ainda tem gente eleita por aí que é contra? Santa e brasileira incoerência!
Para evitarmos atribuir essa resistência a uma improvável burrice nacional, só mesmo relacionando-a à extrema dificuldade demonstrada pelos nossos militares em esclarecer a uma sociedade democrática (eles também não têm esse costume) quais os reais objetivos do projeto; assim como, me parece, de explicar os probleminhas da concorrência, da execução e dos custos.
Por suas características, é evidente que esse projeto deveria ser elaborado, negociado e integralmente operado pela sociedade civil, mas, como civil não é organizado, o Sivam acabou na mão dos militares.
Franceses brigam com norte-americanos, brasileiros trocam farpas entre si e falam bobagens do tipo ``contrato do século", uma das empresas envolvidas é acusada de fraudar o INSS. Enfim, dá bolo, confusão, e surge o risco do completo naufrágio de algo muito necessário. Assim como aconteceu com os projetos Calha Norte, Nossa Natureza, Pmaci 1, Claqs e outros. Boas intenções, que ninguém entendeu. Gastou-se muito dinheiro e todos soçobraram.
Uma coisa é certa: os norte-americanos e outros povos morrem de medo de que, mais do que vítima de devastação, a Amazônia se transforme numa grande e incontrolável Colômbia. Por isso há 15 anos escutamos rumores dentro do próprio governo -e rumor de governo é oficial- de que os EUA iriam nos dotar de um completo sistema de vigilância, eficiente e gratuito. Oferta grátis. Nossa contrapartida: combate constante e feroz ao narcotráfico, que leva o ``pozinho" para os não tão inocentes norte-americanos.
O curioso é que os sabidos brasileiros, que sempre gozaram a burrice gringa, de repente recebem uma aula gratuita de inteligência e relações internacionais, e dela não se apercebem.
Precisamos do Sivam sim, claro! Mas os norte-americanos precisam dele mais do que nós. Pois não é que conseguiram que nós pagássemos o projeto que eles iriam nos dar, lograram afastar os franceses da concorrência, instalaram um sistema em metade de nosso país e, ainda por cima, colocaram o assunto de tal maneira que nosso governo e povo já estão achando que nos fizeram um grande obséquio? Como custou e vai custar ainda mais caro o mel ofertado por Bill Clinton a nosso FHC nos ``States"!
O Sivam, embora vital à segurança nacional, ao tráfego aéreo e aos brasileiros honestos, destina-se mais à repressão de atividades ilícitas. A verdade é bastante diferente das bobagens ditas por um certo brigadeiro da Força Aérea Brasileira, num recente ``Globo Repórter", em relação à garimpagem.
Aproveitando de nossa decantada esperteza, os maiores interessados no Sivam deixam de veicular essas informações. Usufruem, ainda, da soberba inocência de nosso ministro da Justiça, quando colocam-no a falar em prol de um nacionalismo besta, ao defender a soberania das operações policiais de combate ao tráfico na América Latina.
Um retrospecto mostra que todas as grandes apreensões de drogas e traficantes no país tiveram origem nas informações do famoso DEA norte-americano. Enquanto isso, os gringos trancam os cofres e riem a bandeiras despregadas.
Com Sivam ou sem Sivam, nós vamos sempre trabalhar com e para eles. Por sinal, os EUA já possuem um sistema de vigilância global, chamado Norad. O Pentágono, no entanto, não permite que ele seja usado para fins policiais, apenas para objetivos estratégicos na dominação mundial. Foi o que fizeram na Ilhas Malvinas e no golfo Pérsico: apenas viraram os satélites e voaram pedaços de argentinos e iraquianos para todos os lados.
Para concluir, se o Brasil for operar e fiscalizar o Sivam, tal qual um caro fliperama, vamos ficar apenas contando aviões, pois não temos como construir bases de interceptação por toda a Amazônia. Se dermos ouvido às pirraças do gaúcho Nelson Jobim, e não pedirmos auxílio dos norte-americanos no momento da ação, os radares do Sivam ficarão cheios de estrelinhas. E só.
O planejamento e a execução de um programa que possibilite a interceptação e a coibição de atos ilícitos na Amazônia demandará um gasto igual ou maior que o próprio Sivam, pois terá de ser permanente e não terminará nunca.
Não é à toa que o Brasil é pobre para ser dono da Amazônia. Reconheçamos. Se FHC manter o projeto e for ``bom-de-bico", ganharemos um bom e rico sócio. E mais, estaremos agradando. Aí está a lição dos árabes: jamais trabalharam ou furaram um poço, mas são hoje donos do petróleo do mundo. Afinal, US$ 1,4 bilhão é dinheiro para lobby nenhum botar defeito.

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