São Paulo, quarta-feira, 3 de maio de 1995
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Palavra e palavras

JANIO DE FREITAS

Quem não é levado pela imprudência nem pela condenação funcional a ler colunas políticas em diferentes jornais, ou não acompanha mais de um telejornal, provavelmente não percebeu o novo tema que tem recheado aqueles espaços e horários. É o milagre da ressurreição em versão americana.
``Fernando Henrique voltou renovado de Washington e decidiu comandar, pessoalmente, as ações para aprovação das reformas". ``O presidente voltou dos Estados Unidos revigorado, com ânimo novo para assumir a comunicação do governo e a coordenação política". ``Entusiasmado com o êxito da sua visita aos Estados Unidos, o presidente Fernando Henrique logo no primeiro dia em Brasília começou a mostrar sua nova disposição em relação ao governo e ao Congresso". E por aí vai.
Ainda não se soube o que o presidente foi fazer por lá como governante. Ao que tudo indica, nada. A não ser que se considerem os gastos de milhões, com sua comitiva de 41 pessoas, como um feito presidencial. O que, aliás, não deixou de ser, mesmo. Já se sabe, porém, que em termos pessoais a viagem resultou muito bem, por efeito de poderes mágicos e secretos. Foi um Fernando Henrique, voltou outro.
O jornalismo oficialista tem, é verdade, incontível predileção pelo ridículo. Não perderia a oportunidade oferecida pelo presidente, é claro. Mas não será justo responsabilizá-lo por toda a criação do novo Fernando Henrique. O presidente voltou, de fato, com certos atributos a mais. Agora é também radialista. E, já há tempos pressentidas por Marcelo Coelho suas semelhanças com o Sarney presidente, temos agora, mais do que semelhanças involuntárias, um imitador deliberado. Até onde se pode presumir, da imitação teremos depois os mesmos resultados.
``Palavra do Presidente". Bem que tentei muito. Em todas as emissoras, nos horários mais diferentes. Em vão. Não faz mal. A impossibilidade de ser ouvido é, com certeza, a única originalidade do programa. Fernando Henrique está cansativamente repetitivo. Com toda a exposição que lhes proporcionam e ao governo os jornais, TVs e rádios, o que não falta é comunicação. Há excesso. Porque a ausência é de motivo para fazer-se ouvir. Foi o que aconteceu, também isso, a Sarney: quanto mais se expôs com o mesmo disco, mais se desgastou.
A Fernando Henrique não era necessário o programa. Bastava o título escolhido. O sentimento geral é de que lhe estão sobrando pretensão, arrogância, suficiência -e faltando o cumprimento da palavra dada como candidato e repetida, em parte, como presidente. Austeridade nos ganhos e gastos da cúpula do governo, respeito às leis, política econômica sem recuos e variações repentinos, atenções especiais ao problema social e à falta de segurança. São apenas algumas dentre muitas citações possíveis, ou distâncias evidentes entre a palavra e a atitude.
Bom será o programa que um presidente possa intitular de ``Palavra de honra".

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