São Paulo, quinta-feira, 18 de maio de 1995
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Explodir baleias mortas é quase uma arte

DAVID DREW ZINGG
EM MIAMI

Estou lendo um livro sobre o século 21, escrito aqui em Miami Beach por uma certa J.C. Herz.
A formalidade do nome ``J.C. Herz" traz à mente a imagem do presidente do conselho de uma firma de locação de carros, mas não é nada disso. J.C. Herz é uma garota, uma feiticeira de cabelos longos e ar tresloucado. Seu livro é sobre Internet.
As mulheres, de modo geral, evitam transitar pela Internet. Não estão inteiramente ausentes dela, mas há poucas ali fora no ciberespaço. Uma das exceções mais evidentes é Maria Ercília, da Folha. Tio Dave tem algumas Jennifers armazenadas lá fora também.
Mas a parte principal da comunidade da 'Net ainda é em grande medida subproduto da indústria da informática e do mundo correlato dos estudos superiores.
Consequentemente, muitas das discussões realizadas on-line se assemelham a escaramuças na linha de frente da guerra da bósnia. Em outras palavras, estas ``discussões" de homem para homem, parecem ser movidas por testosterona e se prolongam eternamente, numa competição infindável para ver quem tem o maior... RAM.
Até que chega a srta. J.C. Herz com seus cabelos esvoaçantes, olhos malucos e senso de humor gloriosamente mórbido, para compensar o desequilíbrio sexual.
Seu livro se chama ``Surfing on the Internet, a nethead's adventures on-line". É uma viagem (no sentido cunhado pelo prof. Timothy Leary) até o próximo século, e Herz é nossa guia, brilhante e engraçada, nessa viagem.
Herz passa por todos os cantos escondidos da 'Net, e em alguns, como bem diz seu livro, são bastante escuros. O sexo on-line, segundo ela, tem suas limitações, embora as possibilidades transexuais sejam interessantes.
O livro contém um capítulo chamado ``CAmpfIre tAles" (Histórias Contadas à Beira da Fogueira do Acampamento). Não, Joãozinho, o teclado do meu computador não bebeu. Essa estranha mistura de caixas altas e baixas constitui um artifício decorativo muito usado na 'Net. Só estou te dando um gostinho de quão deturpadas as coisas ficam ali fora.
``CAmpfIre tAles" fala sobre um endereço na Internet chamado alt.folklore.urban, que é um FAQ, ou serviço de Frequently Asked Questions (Perguntas Frequentemente Formuladas).
Terry Chan é o operador de sistemas que o dirige. Ele define as lendas urbanas relatadas que coleciona como histórias que ``aparecem não se sabe de onde e se espalham espontaneamente. A lenda urbana contém elementos de humor ou horror (que frequentemente `pune' alguém que desrespeita as convenções sociais)".
O livro de Herz diz que quando você reúne 20 milhões de pessoas pelo mundo afora, todas interligadas pela Internet, o resultado é a maior fogueira de acampamento da história. O alt.folklore.urban é isso -uma fogueira de acampamento eletrônica. Os cibermalucos se reúnem em volta da fogueira e perguntam uns aos outros: ``Você já ouviu aquela sobre...?"
Você já ouviu aquela sobre a empresa que resolveu promover o esporte de ``Bungee Jumping" para seus funcionários? ``Havia essa firma que queria promover o esporte de ``Bungee Jumping", para o pessoal saltar do alto de seu edifício. Eles pegaram o elevador até o 27º andar. Sabiam que precisavam de 0,9 metros de corda elástica para cada andar, menos um certo comprimento pré-determinado para levar em conta o quanto a corda iria esticar. Quando a primeira pessoa saltou do alto do prédio, eles de repente se lembraram de que não havia 13º andar -a tradição gringa costuma omití-lo para não dar azar".
E não é só isso -alt.folklore.urban continua com mais anedotas do tipo ``acredite se quiser".
``Acabei de ouvir uma história incrível numa rádio de Los Angeles", escreve um ciberingênuo. ``Um garoto de 10 anos do Colorado comprou um aviãozinho de brinquedo e abriu as instruções para ver como funcionava. Em vez de instruções, encontrou uma mensagem escrita em inglês ruim, do operário que construiu o brinquedo, pedindo ajuda para tirá-lo da prisão chinesa onde estava sendo mantido prisioneiro".
Trata-se de uma nova versão eletrônica da piadinha que era nossa grande predileta quando éramos crianças, a lenda do ``socorro, estou preso numa fábrica de biscoitos chineses".
Herz escavou fundo para trazer o melhor do humor idiota da 'Net até nós, Joãozinho. A Internet é famosa pelo fato de estar muito além do controle de qualquer governo ou de todos os governos.
Tudo que você precisa fazer é abrir caminho com seu modem até alt.folklore.urban, para ouvir a história do homem que supostamente ficou doente depois de tomar uma garrafa de refrigerante morno. Parece que quando a temperatura ambiente subiu para mais de 30 graus Celsius o refrigerante virou formol. Se você acreditar nisso, também será capaz de acreditar que todas as noites, logo depois do Jornal Nacional, tio Dave se transforma em Batman.
Mas alt.folklore.urban contém o que é certamente a maior história animal na história da narrativa escrita. Ela é conhecida entre os colecionadores como ``como Remover uma Baleia Morta".
Essa história já foi enviada à Internet pelo menos três vezes. Ela teria supostamente se originado de um funcionário da Guarda Costeira do estado litorâneo do Oregon, na Gringolândia.
Segundo consta, uma televisão local enviou uma equipe ``para cobrir a remoção de uma baleia morta de oito toneladas e 15 metros de comprimento, encalhada na praia. A tarefa de livrar-se da carcaça foi entregue ao Departamento Estadual de Engenharia Rodoviária do Oregon. Parece que isso foi feito com base na teoria de que rodovias e baleias são muito semelhantes -ambas são objetos grandes.
Após realizarem um estudo aprofundado, os engenheiros resolveram explodir a baleia com dinamite. A teoria é que a baleia, depois de explodir em pedacinhos, seria consumida pelas gaivotas, e assim o problema seria resolvido. Uma remoção padrão de baleia.
``Os engenheiros afastaram os espectadores, inseriram meia tonelada de dinamite na baleia e acionaram o detonador. Primeiro a carcaça inteira desaparece numa imensa explosão de fumaça e chamas. Depois ouvimos vozes de espectadores gritando `Uau!' e `Yea!' "
``Ouve-se um som, algo como `splat!' Uma mulher grita: `Estão caindo pedaços de... MEU DEUS!' Uma coisa gordurosa se espalha sobre a lente da câmera.
Mais tarde o repórter da TV disse: `O que se seguiu foi uma corrida pela sobrevivência, em meio a grandes pedaços de gordura de baleia que caíam por toda parte.
``Um pedaço da baleia afundou o teto de um carro estacionado a mais de meio quilômetro de distância. Ficaram na praia várias partes da baleia, do tamanho aproximado de apartamentos dos conjuntos habitacionais construídos pelo governo, todos em estado de putrefação.
O repórter da TV concluiu sua cobertura dizendo ``Não foi visto qualquer sinal das alarmadas gaivotas, que sem dúvida foram buscar segurança no distante Brazil (sic)".
O livro de J.C. (antes do Natal ainda vou descobrir o que essas iniciais representam) Herz é publicado pela Little, Brown & Company.

Tradução de Clara Allain

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