São Paulo, quinta-feira, 18 de maio de 1995
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Museu tem maior coleção mundial de totens

KATIA CANTON
EM LIMA

A grande sensação da 12ª Bienal de São Paulo foi um totem urbano, criado pelo artista eslovaco Matej Krein, uma verdadeira torre de Babel feita de livros.
O sucesso se justifica: neste final de século, o homem está ávido de totens, símbolos que representem a essência do coletivo.
Porque, em sua verticalidade, esses objetos reconstróem a própria história da civilização. Numa virada de era, funcionam como âncora e comprovação da existência.
A mais extraordinária coleção de totens do mundo está localizada no bairro de Miraflores, em Lima, capital do Peru.
Não se trata de um gigantesco espaço institucional, mas de um casarão excêntrico, recém-inaugurado como museu pelo proprietário da coleção, Enrico Poli, 65.
O estudioso passou os últimos 30 anos acompanhando escavações de ruínas, catacumbas, pirâmides ou qualquer outra edificação que pudesse conter rastros de presença humana na Terra.
Tudo isso esquadrinhado ao redor das cordilheiras andinas, local de ancestral sabedoria indígena.
Ali, entre Peru e Bolívia, várias civilizações tomaram corpo, como a cultura tiwanaca, que habitou a América do Sul entre 1200 e 1500 d.C. e foi dizimada com a chegada dos espanhóis.
Para dilinear o museu, que é uma lição sobre o sentido da vida, Poli criou uma arqueologia particular, baseada na leitura visual.
Com a repetição sistemática de certas imagens, teceu uma teoria sobre o desenvolvimento simbólico das culturas pré-hispânicas.
Sua tese é apresentada no museu de maneira performática. O visitante é convidado a uma mágica viagem de três horas por entre as paredes labirínticas, portas falsas, porões e esquinas que formam o Museu Enrico Poli.
"Nós hoje temos símbolos descartáveis. Aqui visitamos o sagrado e o eterno que ficou para trás", explica em suas visitas guiadas.
O politeísmo e o caráter ecológico das civilizações que habitaram a América do Sul até a chegada dos europeus justificam sua adoração pelos elementos naturais como a água, a terra, o ar, o fogo.
O último, considerado o símbolo da vida, acabou sendo traduzido nos ritos ocidentais pela vela que acende bolos de aniversário.
A terra, assim como o ventre feminino, é o grande recipiente, de onde tudo sai e para onde tudo volta. O ar é o meio pelo qual os pássaros se comunicam com os homens e os deuses.
E a água é a mãe do alimento -o peixe- e criadora do símbolo da concha, que indica que, no interior de tudo, há vida.
Na crença anímica (que considera todos os seres da natureza dotados de vida e de uma finalidade), havia também o culto à aranha, animal que se autofertiliza e, portanto, contém a vida inteira em seu próprio corpo.
A lhama, animal típico da região andina, era escolhida para prestar sacrifícios aos deuses. "Algo tem que morrer para que o povo possa surgir", traduzia a intenção do sacrifício, para o qual eram também escolhidas virgens.
A leitura imagética das obras em exposição no museu constrói uma lenda de surpreendente coerência. Os mapas, por exemplo, demonstram que os povos pré-europeus possuíam um espantoso conhecimento de astronomia.
Tanto as ruínas de Tiwuanaca, que ficam cerca da cidade de La Paz, na Bolívia, quanto Machu Picchu, construída pelos Incas em 1200, perto de Cuzco, traçam uma linha reta no céu, e reproduzem uma carta astronômica.
Esses locais, considerados centros de energia do mundo, não teriam sido construídos por extraterrestres, como se especula. Mas por povos com consciência da movimentação estelar.

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