São Paulo, sábado, 27 de maio de 1995
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"Esqueçamos pequenas vinganças, pequenos desafios", diz presidente

Eis a íntegra do discurso de Fernando Henrique Cardoso na solenidade de inauguração da vila rural Nova Ucrânia.

Senhor governador do Paraná e meu amigo, Jaime Lerner, dona Fanny Lerner, excelentíssimo senhor ministro da Agricultura, José Eduardo de Andrade Vieira, senhor secretário-executivo da Câmara de Políticas Regionais, ministro Cícero Lucena, senhora vice-governadora, Emilia Belinatti, senhor presidente da Assembléia do Estado, deputado Aníbal Curi, senhor presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Cláudio Nunes do Nascimento, senhor senador Luis Alberto de Oliveira, senhor José Richa, senhores deputados federais, estaduais, senhor prefeito de Apucarana, Valter Pegorer, meu amigo e correligionário, senhora Maria Bernardete Pegorer, senhor diretor do Fórum de Apucarana, Albino de Brito Freire, senhores secretários de Estado do Paraná, senhores deputados estaduais, senhores prefeitos, que são os grandes atores desta festa, senhoras, senhores, jovens, professoras, moradores da vila Nova Ucrânia.
O presidente da República está aqui, hoje, em Apucarana, e mais uma vez aqui no Paraná, aqui nessa vila rural Nova Ucrânia, porque quer expressar, de maneira muito clara e direta, o seu apoio a esse programa.
Eu vim aqui para dizer ao povo do Brasil que, aqui, hoje, em Apucarana, prefeito Valter, graças à persistência do governador Jaime Lerner, ao apoio dos deputados e à solidariedade dos demais prefeitos e, sobretudo, graças ao trabalho daqueles que hoje estão ocupando essas novas casas, nós estamos iniciando uma nova caminhada importante no Brasil.
O meu governo, senhor governador, está absolutamente empenhado na realização das transformações desse país.
Eu quero agradecer o apoio que tenho recebido dos deputados que aqui estão, do povo do Brasil, e reconhecer que esse apoio, hoje, não é um apoio de um partido, não é sequer um apoio de um conjunto de partidos que formam uma base política, é mais amplo do que isso.
Ainda essa semana, na votação ocorrida em Brasília, verificou-se que companheiros do governador Jaime Lerner acompanharam o ponto de vista da maioria do Brasil, que quer, como quer a Força Sindical, reformas para melhorar a condição de vida do povo brasileiro.
Não se trata de um movimento, hoje, do presidente da República. É, sim, compromisso meu, de campanha, reafirmado aqui no Paraná. Mas é muito mais do que isso, é uma vontade desse país.
Eu quero agradecer o apoio que tenho recebido, mas eu quero dizer que essas reformas, que são pedidas e que nós faremos -já foi dito aqui pelo prefeito, foi repetido pelo governador-, são reformas que têm sentido, na medida em que o povo mais simples se beneficia delas.
Reformar, lá em Brasília, a Constituição vale a pena se ao mesmo tempo aqui na terra nós estamos reformando as condições de vida do povo brasileiro. E é isso que nós estamos fazendo.
O ministro José Eduardo de Andrade Vieira, através do Incra, através da Secretaria de Desenvolvimento Agrícola, através dos múltiplos instrumentos de atuação, vai estar atuante nessa direção.
Mas nós não podemos cerrar os olhos às novas realidades do Brasil. É preciso dar terra a quem não tem terra, fazer os assentamentos, fazer o que classicamente se chamava reforma agrária, como disse aqui o governador Jaime Lerner. Mas é preciso estar atento às novas realidades.
Neste Paraná, de progresso e esperança, há 450 mil bóias-frias. O bóia-fria não pode viver longe da terra onde ele vai trabalhar, não pode viver sem ter um pedacinho de terra para cultivar, para o momento da entressafra. Não adianta para ele fazermos grandes projetos de colonização no Centro-Oeste -que faremos, como disse o ministro-, não adianta, tampouco, fazer as desapropriações que já fizemos, de um milhão de hectares de terras -e faremos mais- para os que estão sem terra. Mas isso não resolve a situação dos que aqui estão, esses precisam de criatividade, e, se eu vim aqui hoje, Jaime Lerner, é porque você tem a criatividade.
Traz aqui uma semente do novo. E o que é novo, muitas vezes, não é compreendido. Muitas vezes não é compreendido sequer por aqueles que vão ser beneficiados com a novidade, mas tem que ser apoiado por aqueles que têm responsabilidade de dirigir o país.
Por isso, eu não vim sozinho. Vim com o ministro da Agricultura e com o ministro de Assuntos Regionais. Mas vim também com o presidente da Caixa Econômica, vim também com o presidente do Incra, porque nós temos que trabalhar juntos. E o presidente da Caixa Econômica estará discutindo, com abertura de espírito, de que maneira nós vamos apoiar esse programa e muitos programas iguais a esse.
E ninguém tenha dúvida de que as bandeiras da reforma -e aí vejo tantas- vão continuar. Ninguém tenha dúvida de que o presidente vai continuar andando pelo Brasil todo, pedindo apoio do povo, recebendo o apoio e dando apoio àqueles que, efetivamente, estão criando novas condições de vida para o povo.
Só conseguiremos mudar o Brasil, como estamos mudando, se estivermos juntos. Por isso, disse no início, não se trata de uma posição partidária, de um grupo de partidos. É uma posição de brasileiros e brasileiras, que sabem das suas responsabilidades.
Ao ouvir a bênção do bispo, lá dentro, hoje, numa das casas, ele começou pelo `Padre Nosso' e pedia que não nos faltasse o pão nosso de cada dia. Não vai faltar o pão nosso de cada dia, se nós estivermos juntos. Mesmo aqueles que eventualmente não têm pão, ainda não têm pão hoje, terão, se houver solidariedade, se houver espírito de grandeza, se houver disposição para o diálogo.
Ontem, tomei uma decisão difícil e até arriscada. Determinei que na safra 95/96 houvesse juros prefixados a 16%. Nunca ninguém fez isso, uma inflação do tipo que nós ainda tínhamos. Tomei uma decisão arriscada, sei que é de risco, mas eu confio no Brasil. Eu confio no programa de estabilização. Sei que o agricultor precisa de certas condições para produzir, mas coloquei limites. Dinheiro com juros a 16%, até R$ 150 mil, não para os milionários, que não precisam dele, não para quem usa o dinheiro, para usar depois os benefícios em outras atividades que não a agrária. E, àqueles que têm propriedades menores -que são os microprodutores-, esses, 6%, com equivalência de produto. A equivalência, não é (inaudível) para roubar o Tesouro, é um instrumento para fortalecer quem trabalha e não tem condições de pagar aquilo que é devido pelos que têm condições de pagar.
Eu peço ao Paraná que me entenda. Nós estamos mudando o Brasil. Não posso fazer tudo de uma só vez. Mas eu farei o que for possível e necessário. Nós vamos partir agora este ano, no segundo ano do Plano Real, com um conjunto de mudanças que vão progressivamente acabar com esses indicadores que prefixam tudo e que atam toda a economia numa espiral que leva à inflação e a juros crescentes.
Para isso, nós teremos que desindexar. Os técnicos dirão de que forma, quando e como. Nós faremos, faremos com o sentido de responsabilidade.
Dei um primeiro sinal ontem, colocando uma taxa de juros suportável, de alguma maneira, fazendo uma aposta de que a inflação vai continuar sob controle. Se outros passos forem possíveis darei, mas não me peçam o que eu não posso dar, não me peçam aquilo que, para eu dar, tem que sacrificar esse povo. Isso eu não farei. Eu não farei nada que leve ao aumento da inflação, porque a inflação liquida o povo. Não é o rico, não é empresa grande, que sabe dela se defender, é o pobre povo miúdo, que não tem como se defender e que não tem como preservar seu salário.
Farei tudo que for possível para melhorar as condições de produção. Mas sempre atento à estabilização da nossa economia.
Esta gente, que hoje está aqui, começa a ter uma esperança mais concreta, porque teve uma casa e um pedaço de terra para plantar.
E tomara o Brasil possa multiplicar, e vai multiplicar, esse exemplo.
É para essa gente que está aqui que nós devemos dedicar sempre o nosso pensamento. Os prefeitos que aqui estão, a quem eu agradeço a presença, e que se empenharam nesse programa sabem que estou dando um passo importantíssimo para fazer com que o Paraná continue sendo um exemplo para o Brasil de um Estado progressista, de um Estado que caminha firme, de um Estado que não aceita demagogia e, dentro de um espírito de tranquilidade e de firmeza, avança pensando sempre no seu povo.
Eu não quero perder essa oportunidade para fazer um apelo. O Brasil, este mês, gastou já algumas centenas de milhões de dólares importando petróleo, centenas de milhões de dólares importando petróleo! O dia, governador, é um dia de festa. Nós estamos aqui numa unidade. Unamo-nos todos, respeitemos a lei e a Justiça, deixemos querelas antigas e vaidades, esqueçamos quem é líder disso ou daquilo e pensemos que cada atitude irresponsável de negação da lei e da justiça custa caro a este povo.
E saibam todos que o presidente da República não tem o que temer no cumprimento do dever, em sua firme convicção de que o caminho é o caminho da lei, é o caminho de ajudar o povo.
Eu faço um apelo para que nós não continuemos a ter de importar mais petróleo, para que nós possamos voltar a trabalhar, respeitando a lei. E todos sabem que o presidente Fernando Henrique sempre foi um homem de diálogo, continuará sendo homem de diálogo, mas sabem também que, assim como lutou contra a ditadura militar, lutará firme contra qualquer tentativa de quebrar a democracia e a lei.
Com muita calma, com muito espírito de compreensão, com muita solidariedade, eu peço: vamos nos unir todos, brasileiros! Está tão perto de darmos um salto profundo para melhorar a vida do povo. Esqueçamos nossas querelas. Esqueçamos, como já esquecemos aqui no Paraná, quem ganhou, quem perdeu as eleições. Eleições são um momento, e o Brasil é perene. Vamos pensar no Brasil. Esqueçamos pequenas vendetas, pequenas vinganças, pequenos desafios. Vamos pensar grande, como grande pensou o governador do Paraná, ao lutar por fazer essa vila rural.
Vamos juntos, que nós vamos ganhar essa batalha, meu povo. Vamos ganhar essa batalha com firmeza, com competência e com solidariedade.
Governador, tenha certeza de que, dentro dos limites das nossas possibilidades, o governo da República vai ajudá-lo aqui no Paraná e incitará os demais governadores a que imitem o exemplo, para que o nosso povo do campo possa ter atenção que merece, uma casa, um pedaço de terra, que não vai nos faltar nunca o pão de cada dia.
Muito obrigado.

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