São Paulo, sábado, 27 de maio de 1995
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Internet, mente e sociedade

HENRIQUE SCHÜTZER DEL NERO

A Internet chegou. Desde já, é séria candidata a símbolo da passagem do século.
Eta Brasil rico de contrastes: pouca gente tem telefone, computador e ``modem", mas a rede está aí pra virar o jogo: cinco séculos em cinco anos e, na virada do milênio, quem sabe temos pinta de nação?
Enquanto tem gente morrendo de diarréia por falta de educação, já podemos mapear doenças raras via satélite. As massas excluídas da história podem ser libertadas pela informação; ou definitivamente sepultadas.
Sem ``modem" e sem endereço eletrônico o que dizer do coitado que, antes excluído porque analfabeto, agora tem um fliperama pós-cultural à sua frente sem ter passado pelo estágio da cultura tradicional? Que não seja clip-tecnológico, avanço efêmero que arrasa e aliena.
Quem antes era dominado porque desconhecia, pode continuar dominado porque incapaz de escolher entre tanta informação que lhe chega.
A Internet merece uma grande discussão: não porque seja uma revolução tecnológica, mas porque é um símbolo ambíguo.
A memória antes estava no cérebro e na circunstância. A ela uniu-se a memória coletiva, amplificada pelo ``chip" e agora globalizada via satélite.
A ciência supõe que funções psíquicas surjam da interação do cérebro com o meio. Quando esse meio deixar de ser o vizinho e a igreja da praça, permitindo a cada um ter sua Notre Dame virtual, haverá também uma outra mente.
A liberdade de navegar pela rede e discutir qualquer fórum pode emancipar os cidadãos. Se, no entanto, for o prelúdio de um tempo sem política, sem Estado e sem identidade histórica, então a utopia emancipadora fará o ideal voltar para trás.
Pulverizar a consciência biológica, distribuindo-a pelo planeta, criará uma mente diversa da que conhecemos. A memória e a identidade, privadas e coletivas, exigirão novos conceitos.
Não se tente entender essa mente e seus desvios com a mesma psicologia intuitiva e sincrética usada por alguns para explicar a atual. Uma nova ciência da mente, uma antropologia do novo homem e de suas relações sociais e políticas devem analisar o tempo que está chegando.
A consciência virtual que brota da rede pode unir povos e credos. Porém, sem conceitos e valores claros, pode reunir, numa lista anônima, psicopatia que, sem os limites do tempo, do espaço e do segredo, esfacele nosso ideal de civilização, instaurando barbárie ``high-tech".

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