São Paulo, sábado, 27 de maio de 1995
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Guerra na ex-Iugoslávia deve levar a Palma

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A CANNES

Duas grandes produções européias sobre a atual guerra civil na ex-Iugoslávia são favoritas para arrebatar amanhã a Palma de Ouro, o prêmio máximo, do 48º Festival Internacional de Cinema de Cannes. São ``Underground", do cineasta ``iugoslavo" (como ainda insiste) Emir Kusturica, e ``Le Regard d'Ulysse", do grego Theo Angelopoulos.
Não é improvável uma divisão da honra, mas pesa contra Kusturica o fato de já ter vencido há dez anos com ``Quando Papai Saiu em Viagem de Negócios".
Há incríveis semelhanças entre os projetos de Angelopoulos e Kusturica. Ambos procuram mostrar as raízes históricas do sanguinário conflito que atormenta hoje a região dos balcãs (Europa Central). Os dois são épicos, longos (mais de três horas) e irregulares.
O metacinema marca forte presença também em ambos, por meio da saga de um cineasta no filme do grego e de uma filmagem na do iugoslavo.
Uma diferença de tom é essencial. ``Le Regard d'Ulysse" é irrecorrivelmente dramático, ``Underground", escancaradamente tragicômico. Angelopoulos fez um filme psicológico, Kusturica, uma farsa política.
``Underground" conta 50 anos de um antigo país chamado Iugoslávia. Kusturica faz uma ponte entre a Segunda Guerra e a atual guerra civil. ``Era uma vez um país...", afirma a cena final.
A trama acompanha sobretudo a sorte de dois amigos espertalhões. Marko (Miki Manojlovic, soberbo) passa de ladrão barato a herói da resistência antinazista num abrir e fechar de olhos. Seu comparsa Blacky (Lazar Ristovski) também vira mito, ao acrediterem-no morto.
Marko aproveita a confusão e tranca Blacky, parentes e conhecidos no porão da casa de seu avô. O objetivo é duplo: roubar-lhe a namorada e aumentar a lucratividade de seus negócios. Marko instala uma indústria clandestina de armamentos no ``bunker" subterrâneo. Mente que é para a resistência. Acaba a guerra e mantém-se a mentira, por mais 20 anos.
A ascensão do regime de Tito vai alçá-lo a intelectual do sistema. A ``heróica" trajetória de seu grupo inspira até uma superprodução oficial. Enquanto a lenda vira filme, um acidente destranca o porão. As mentiras de Marko começam a ruir. Numa grande sacada, Blacky salta de uma ficção (o ``bunker" resistente) a outra (a fita em que é personagem destacado). A desorientação é total.
Um último salto no tempo descobre em 1992 Marko e Blacky na Iugoslávia desintegrada após a morte de Tito (1980) e a queda do bloco soviético (1989). O primeiro continua enriquecendo com a indústria de armamentos; o segundo virou um eterno combatente. ``Underground" tem apenas um grave problema: ritmo. Kusturica poderia ter sido muito mais conciso.
Os últimos concorrentes só serão conferidos hoje. ``Dead Man" é um ``western" de Jim Jarmusch (``Daunbailó"). Parece alternativo demais para o prêmio deste ano. O outro pode ser a grande zebra: ``La Haine", do ator francês Matthieu Kassovitz.

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