São Paulo, sábado, 27 de maio de 1995
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Uma armadilha para o contribuinte

AYRES DA CUNHA

Querem ressuscitar o IPMF. A proposta partiu do ministro Adib Jatene, para financiar a saúde. Logo o ministro da Agricultura, Andrade Vieira, tratou de interceder pela volta do imposto do cheque, pedindo que 50% de sua arrecadação seja destinada para sua área. Paulo Renato, ministro da Educação, também está na fila.
Como se não bastasse, o líder do governo no Senado, Élcio Álvares, defende que a receita do IPMF seja usada para pagar títulos das dívidas da União e reduzir o impacto do pagamento de juros sobre o Tesouro... Grupos políticos se organizam para aprovar o imposto e disputar o controle de sua receita, estimada entre R$ 6 bilhões e R$ 8 bilhões. As coisas vão mal no Planalto Central!
Usar a saúde como argumento para aprovar um novo imposto e desviar sua arrecadação para despesas em outras áreas é uma vergonha. Para refrescar a memória do leitor, o IPMF foi instituído em setembro de 1993 em meio a uma gritaria geral sobre sua inconstitucionalidade, vigorou durante todo o ano de 1994 e rendeu ao governo cerca de R$ 5 bilhões em arrecadação.
Agora querem que o famigerado imposto volte na forma de contribuição, para que possa entrar em vigor após 90 dias da data de sua aprovação. É mais uma armadilha para o contribuinte.
Jatene argumenta que ``quem gera renda, dela se apropria", nos mostra que o recolhimento de Imposto de Renda na fonte incide basicamente sobre o assalariado, pois o Imposto de Renda de pessoa jurídica renderá este ano cerca de R$ 5,6 bilhões, enquanto o de pessoa física será de R$ 14,9 bilhões.
Concordamos que é uma grande injustiça, sabemos que a sonegação existe, mas nada disso justifica que se proponha a volta do IPMF como uma contribuição de caráter emergencial para salvar a falida saúde pública.
Ora, se é esta a realidade, é bom recordar ao ministro da Saúde que em nosso país, campeão em tributos e em sonegação fiscal, prioritária é a realização da reforma tributária e fiscal.
As soluções para os problemas nacionais devem ter caráter duradouro. De nada servem paliativos. Tem mais: quem garante que esse tributo seria mesmo totalmente vinculado à saúde?
Se esse dinheiro pode salvar vidas e manter hospitais, pode também ser desviado, malversado, desperdiçado, porque muitas vezes as verbas não são a solução, mas o real problema da área de saúde, pelo mau uso que se faz delas.
Esse mesmo dinheiro poderá em parte servir para que ricos fazendeiros consigam barganhar contratos de financiamento e aplicar os famosos calotes no crédito rural, como o Banco do Brasil está cansado de testemunhar.
O IPMF é um imposto injusto, não tem por base um fato econômico, ou seja, não é cobrado sobre um ganho do contribuinte. Além disso, se o IPMF for cobrado nos pagamentos de impostos, isso representaria bitributação.
A capacidade contributiva do brasileiro já chegou no seu limite. Insisto, precisamos é de uma reforma tributária, pois o atual nível de tributação estimula a sonegação. É necessário simplificar e enxugar a máquina arrecadadora e promover ampla redistribuição das funções da União, Estados e municípios.

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