São Paulo, quarta-feira, 31 de maio de 1995
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Espertos e ignorantes

GILBERTO DIMENSTEIN

Tenho insistido nesta coluna que o trabalhador e o empresário avesso à especulação devem desconfiar dos lobbies que produzam inflação -e, aí, estão desde os petroleiros, passando pelos ruralistas, até a campanha por juros mais baixos. Obtive ontem dados curiosos do Ministério do Trabalho, reforçando ainda mais essa desconfiança.
Com base em levantamentos do IBGE, o Ministério do Trabalho calcula que, em dez meses de Plano Real, teriam sido transferidos aos trabalhadores cerca de R$ 12 bilhões -é o ganho com menos corrosão salarial.
Só para comparar: R$ 12 bilhões significam quatro vezes o prometido gasto anual do projeto Comunidade Solidária, o principal programa social do presidente Fernando Henrique Cardoso.
Segundo o Ministério do Trabalho, existem três tipos de ganhos: 1) os trabalhadores com carteira assinada tiveram mais 10,6% reais (acima da inflação); 2) os sem carteira, 23,6%; 3) os autônomos, 39%.
Esses números exibem com nitidez que a inflação é a felicidade de grupos empresariais, banqueiros e seus consultores. E, por sua vez, a praga dos trabalhadores e de empresários que gostam de produzir.
Mostram também que não é a lei, necessariamente, que garante avanços na renda -tanto que os trabalhadores autônomos e sem carteira tiveram ganhos maiores.
E mostram como, na média, as lideranças sindicais são ingênuas e despreparadas; tão despreparadas que caem na isca dos empresários, entrando na campanha por juros baixos, o que implicaria, neste momento, mais inflação.
A grande jogada sindical seria forçar o governo e o Congresso a aprovarem uma série de medidas que garantam crescimento com estabilidade e, por consequência, juros mais baixos.
Idéias óbvias. Aumentar a arrecadação (multar, processar e até prender sonegadores); aprovar reformas que enxuguem o Estado, pressionando-o a ter função social. Por exemplo: melhorar o ensino básico, frequentado pelos filhos dos trabalhadores. Se depender da sensibilidade da maioria do baronato, a mortalidade infantil e evasão escolar ficam como estão.
Mais: cortar incentivos, subsídios, isenções; estimular a concorrência, combatendo oligopólios.
O fato: o trabalhador é vítima da esperteza empresarial e ignorância sindical.

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