São Paulo, sábado, 10 de junho de 1995
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A Vale e seu patrimônio mineral

HÉLIO BLAK

Na discussão sobre a modelagem para a privatização da CVRD (Companhia Vale do Rio Doce) surgiu como aspecto relevante a questão de como atribuir valor aos recursos minerais hoje já controlados pela CVRD na forma de concessões de lavra existentes; e também a um possível potencial mineral a ser ou não aproveitado no futuro (em função do sucesso ou insucesso dos programas de pesquisa em andamento ou a serem desenvolvidos nas áreas que contam com alvarás e pedidos de pesquisa obtidos em nome da CVRD ou de alguma de suas empresas de mineração).
De acordo com o Código de Mineração, que data de 1967, o subsolo é de propriedade da União, que detém o poder concedente. Assim sendo, as concessões de lavra são outorgadas pela União às empresas de mineração por prazo indeterminado e desde que cumpram estritamente a legislação vigente no que tange às questões técnicas, ambientais e de qualquer outra natureza, no sentido de se evitar a chamada lavra predatória.
Na prática, a União tem, através do DNPM, todas as condições para outorgar e também cassar os direitos minerários por ela concedidos. Poder-se-ia dizer que, pela legislação vigente, a União já possui, na prática, uma ``golden share" para o caso em questão.
Contudo, e apesar de o aspecto legal se afigurar bastante claro, não parece ser esta a dúvida sobre a avaliação econômica dos direitos minerários sob controle da CVRD. Na prática, o que está em jogo é o caráter político da questão, em especial a imagem de ``doação" do patrimônio público, baseada em afirmações do tipo ``são reservas de mais de 500 anos que estão sendo entregues na bacia das almas", ou ``ouro suficiente para pagar a nossa dívida externa", ou ainda ``é um patrimônio mineral que vale no mínimo US$ 350 bilhões" etc.
Apesar de carecerem de fundamento técnico, as observações acima, ao serem divulgadas, geram no mínimo perplexidade junto a uma opinião pública pouco familiarizada com o tema. Entendemos, assim, ser importante esclarecer alguns aspectos relacionados com a idéia da existência de recursos minerais e do seu aproveitamento, gerando assim mais elementos para um maior esclarecimento da opinião pública.
A pesquisa geológica é uma atividade de elevado risco empresarial. De um modo geral, a cada cem áreas de pesquisa, correspondem não mais de três a cinco ocorrências minerais, das quais apenas uma se transforma em jazida. Ainda assim, esta jazida, por si só, é apenas um depósito mineral, cujo valor econômico só se materializará quando se transformar numa mina, ou seja, somente quando todos os investimentos necessários à abertura desta mina estiverem concluídos e a sua produção for iniciada.
Só neste estágio é possível falar-se em patrimônio mineral de forma consistente, uma vez que o fluxo de caixa projetado no caso estará baseado na existência de uma reserva medida, capaz, de um modo geral, de sustentar uma vida útil da ordem de 25 a 30 anos para o empreendimento.
Assim sendo, quando se menciona que a CVRD possui reservas de 18 bilhões de toneladas de minério de ferro de alto teor, correspondendo a uma vida útil de 540 anos no nível de produção atual (35 milhões de toneladas/ano), na realidade está-se considerando o total de recursos de minério de ferro cientificados pela CVRD na região de Carajás, englobando reservas medidas, indicadas e inferidas.
No momento, a CVRD lavra apenas o depósito denominado N4-E, cuja reserva medida quando do início da operação (1985) era de 1,1 bilhão de toneladas, ou seja, suficiente para uma operação por aproximadamente 32 anos ao nível de 35 Mt/ano.
Desta forma, ao dispor de 18 bilhões de toneladas em Carajás, a CVRD conta na realidade com recursos cujo aproveitamento depende fundamentalmente de elasticidade do mercado internacional de minério de ferro e, mais particularmente, da capacidade de ampliação de sua parcela de mercado, que já é hoje de 23% (líder).
Assim sendo, muito embora os recursos disponíveis sejam vultosos, o seu valor econômico é reduzido enquanto não for possível a sua apropriação em fluxo de caixa dentro de um horizonte previsível.
O mesmo raciocínio é aplicável a todos os recursos minerais mapeados, podendo-se admitir apenas como exceção, eventualmente, o caso das reservas de ouro, tendo em vista a sua característica de bem mineral como ``reserva de valor", menos suscetível, por conseguinte, às restrições de mercado.
Ainda assim, mesmo no caso do ouro, tais reservas passariam a ter valor econômico apenas e tão somente no momento em que ficasse decidida a sua forma de aproveitamento, com investimentos e níveis de produção definidos, capazes de permitir a projeção do fluxo de caixa daquele projeto em particular.
Em resumo: entendemos que a questão do chamado ``patrimônio mineral" deve ser tratada sem emocionalismo, merecendo um contínuo processo de esclarecimento, em especial no que tange à diferença entre a existência de recursos minerais e a sua transformação em reservas economicamente aproveitáveis, ou seja, capazes de ser apropriadas em fluxos de caixa.
Sugestões tais como a adoção de ``royalties" a serem pagos no caso do eventual aproveitamento deste ``patrimônio" no futuro, assim como alterações no Código de Mineração no sentido de limitar os prazos das concessões minerais, nos parecem muito mais destruidoras do que criadoras de valor para a CVRD, uma vez que podem sinalizar para o mercado mudanças de regras casuísticas e confusas, uma vez que a experiência internacional em transações do gênero não leva em consideração tais aspectos.

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