São Paulo, sábado, 10 de junho de 1995
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Fratura exposta

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - A fulminante ascensão e queda de José Tavares de Araújo Junior como secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior parece, acima de tudo, desdobramento, ainda que velado, de divergências de fundo na equipe econômica.
Tavares, afinal, nada mais fez do que dizer, de público, o que pensa em voz baixa José Serra, o ministro do Planejamento e, não por acaso, autor da indicação de seu nome.
Serra teve até o mérito (ou ousadia, depende do ponto de vista) de introduzir no léxico da equipe econômica a expressão ``política industrial". Trata-se de um jargão que, nos tempos que correm, é invariavelmente traduzido por ``protecionismo".
Para um governo que fez propaganda da abertura da economia, não poderia haver palavrão mais feio. Não se trata, aqui, de discutir se política industrial é de fato sinônimo de protecionismo ou não.
Do meu ponto de vista, não é. Convém até lembrar que uma das principais assessoras do presidente norte-americano Bill Clinton, Laura D'Andrea Tyson, é defensora ardente de uma política industrial para seu próprio país, sem que seja estigmatizada por isso.
Mas não é o ponto no momento. O ponto é que Serra, como Tavares, acha que o Brasil estava (ou está) desprotegido em certos setores industrias, o que não é conveniente. Só que Serra não diz tais coisas de público, ao contrário de Tavares.
É claro que cabe, aí, uma explicação algo menos contundente. Tavares agrediu nitidamente o Mercosul (pelo qual Serra, aliás, não morre de amores). E o fez no pior dos momentos. A Argentina, o principal parceiro brasileiro nesse bloco subregional, está desesperada pela sua crise interna, cuja contenção passa pela evolução da economia brasileira.
Tanto que a recuperação da balança comercial argentina em abril e maio deste ano foi, em 60%, devida ao Brasil. Ora, quando Tavares fulmina o Mercosul está, na prática, desligando o tubo de oxigênio de um paciente claramente na UTI. Como o paciente é sócio do Brasil, seria no mínimo indelicado permitir-se que o autor de tal ``crime" permanecesse no governo.
Ainda assim, não convém deixar de lado as discussões mais de fundo levantadas pelo funcionário de tão breve carreira.

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