São Paulo, quinta-feira, 15 de junho de 1995
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Bob Dylan ironiza seus próprios clássicos em "MTV Unplugged"

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

O cantor e compositor norte-americano Bob Dylan, 54, delineia um sorriso na capa do CD ``MTV Unplugged", gravado em 17 de novembro do último ano no estúdio da Sony em Nova York.
O disco, lançado em maio nos EUA e agora no Brasil, reflete o semblante do artista, mais para esgar do que manifestação de alegria. O ``Acústico" marca um momento auto-sarcástico no trajeto depressivo de Dylan. É também a confirmação da alta qualidade musical de uma obra tão vincada pela poesia engajada.
Como todos os produtos acústicos da MTV, este resulta de um programa de TV que quer denunciar a face instrumental oculta de astros do rock e do pop.
O programa foi ao ar no Brasil no final de 1994 e repete um processo que já se deu com Nirvana e Rod Stewart, em que o resultado sonoro superou o visual.
No disco, Dylan refaz 11 clássicos -nada de ``Blowin' in the Wind" ou ``Masters of War"- e lança em disco ``John Brown", uma paródia ao country composta em 1963.
Em Dylan, a dicotomia ``plugado/desplugado" faz parte de suas inquietações estéticas, e de uma carregada ironia diante do mundo.
Iniciou carreira em 1961 na cena da folk music. Baseou-se no início no recorte poético e melódico de Woody Guthrie: violão, gaita e voz áspera. Inovou nas letras, longas reflexões sobre o nascimento do espírito de uma cultura que nascia, a de massas.
Em 1965, trocou o violão pela guitarra. Plugou-se e as letras ganharam em agressividade. Nesse ano lançou o LP ``Highway 61 Revisited". O trabalho deixou os colegas de folk indignados, mais ou menos como ocorreu com Jorge Ben no Brasil, quando este eletrificou a MPB e teve de se exilar na Jovem Guarda.
Dylan preferiu o exílio no ego e passou a produziu eletricidade em letras cada vez mais simbólicas. Nos anos 90, voltou ao acústico. Dessa vez não chocou. Seguiu a inclinação mundial no pop para a excelência timbrística.
``Unplugged" é a melhor realização de Dylan no ambiente acústico desde 1964. Curiosamente, ele cortou do repertório do CD a produção da década de 70 e início de 80, durante as quais se ensimesmou entre a carolice e o tédio e mortificou os fãs com discos crispados, eivados de baladas espasmódicas.
``Unplugged" indica uma postura crítica em relação à obra. O artista não pode escapar de si mesmo, mas se auto-analisa.
Dylan abandona a negligência musical típica de seus últimos discos. Municiou-se de um quinteto de bons músicos. Destaca-se o guitarrista John Jackson e o tecladista Brendan O'Brien.
Jackson faz longos solos e dialoga com a gaita de Dylan em faixas como ``Love Minus Zero/No Limit" (do LP ``Bringing it All Back Home", de 1965).
À frente de um paleozóico órgão Hammond, O'Brien cria harmonias inesperadas em ``Dignity" (de ``Oh Mercy, de 1989) ``Knockin' On Heavens's Doors" (de ``Pat Garrett & Billy the Kid").
A autoparódia começa na primeira faixa, com uma versão pulsante de ``Tombstone Blues". A música é extraída do prototípico ```Highway 61 Revisited", e recebe uma vestimenta camerística.
A faixa mais interessante é ``John Brown", tanto pelo ineditismo como pela crítica à guerra, retrabalhada de maneira humorística. Com sua voz sempre claudicante, Dylan como que caçoa da história do rapaz do interior que sai pelo mundo matando gente.
O artista parece provar que não há mais ideais, apenas reminiscência de utopia guarnecida por belas tramas instrumentais. É a quimera espetada num álbum luxuoso.

Disco: Bob Dylan MTV Unplugged
Lançamento: Sony Music
Quanto: R$ 20 (o CD, em média)

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