São Paulo, domingo, 18 de junho de 1995
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Barreira contra carros importados cria conflitos e não resolve déficit comercial

JOSÉ ROBERTO CAMPOS; FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL

O Brasil trancou suas fronteiras e abriu focos de tensão com seus parceiros na semana passada por causa de parcela muito pequena de seu comércio internacional.
As importações de carros representam apenas 8,8% das compras externas do país e são hoje a face mais visível e ameaçadora de uma avalanche de compras que o Brasil vem fazendo no exterior desde que a economia começou a crescer com o Plano Real.
O dólar barato frente o real tem estimulado a entrada de todos os tipos de produtos no país -provocando sucessivos déficits na balança comercial.
Só em matérias-primas e bens destinados à produção -que representaram 46% das importações entre janeiro e maio- o Brasil importou 83,8% mais do que em 1994, somando US$ 9,76 bilhões.
O valor é seis vezes maior do que o gasto com os automóveis.
Também entre janeiro e maio, praticamente duplicaram os gastos com máquinas do exterior -que perfazem 22% das importações.
Arrastados pelo ritmo da economia, passaram a entrar sistematicamente no país quantidades enormes de bens de consumo e quinquilharias. Até maio, as importações destes itens havia chegado a US$ 2,5 bilhões -três vezes mais do que no ano passado.
Sem dúvida, o campeão de velocidade de compras externas foi o automóvel, que teve as importações multiplicadas por cinco.
``Mas o mesmo artifício das cotas adotadas para os automóveis terá de ser usado para outros setores se o Brasil quiser diminuir seu déficit comercial. Está claro que o problema não é a importação de carros. É o dólar que está muito barato", diz o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), Marcus Vinícius Pratini de Moraes.
Para o presidente da Câmara Americana de Comércio e do Banco de Boston, Henrique de Campos Meirelles, ``é uma hipocrisia achar que dá para manter o dólar desvalorizado e o mercado aberto ao mesmo tempo. É obvio que se criou uma distorção."
O dólar baixo frente o real faz com que os produtos importados fiquem, em muitos casos, mais baratos que os da indústria local.
A decisão do governo de adotar cotas em vez de valorizar o dólar, fato que certamente alimentaria a inflação, mereceu os aplausos da indústria nacional.
``A medida vai na direção correta", diz Roberto Jeha, coordenador do grupo de política industrial da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
``A indústria não quer o protecionismo dos anos 50 ou 60, mas também não acredita que o `Consenso de Washington' é o Papai Noel", diz.
Consenso de Washington designa a política dos órgãos financeiros internacionais (FMI, Banco Mundial etc.) que prega doutrinas de máxima abertura econômica para os países em desenvolvimento.
Desde novembro do ano passado, quando as importações no Brasil superaram as exportações pela primeira vez desde o Plano Cruzado, os pedidos de proteção à indústria nacional voltaram a se fazer ouvir quase que com a mesma estridência que os protestos contra a política cambial.
O governo desvalorizou o real e por duas vezes elevou as alíquotas de importação dos carros. Na segunda vez, ao final de março, pegaram carona cerca de cem produtos eletroeletrônicos. Depois, foram os calçados.
Atualmente, há alíquotas de 70% para carros, de 62% para eletrônicos e de 63% para calçados.
E a fila dos que dizem que as importações causam estragos em seus negócios é crescente. Os empresários do setor têxtil e de brinquedos candidatam-se abertamente a receber tarifas mais elevadas.
Em um documento entregue ao ministro da Fazenda, Pedro Malan, a Fiesp voltou a usar um termo que não empregava desde que a economia brasileira começou a enfrentar sem tantas barreiras a concorrência externa -a ameaça de ``desindustrialização".
``Como o país não tem mecanismos ou pessoas especializadas em auferir se efetivamente existem práticas ilegais, a tentação de adotar o velho instrumento (cotas, tarifas) é enorme", diz o especialista em direito econômico Tercio Sampaio Ferraz Junior.
Enorme também foi a tentação de se dar os primeiros passos de uma política industrial em uma situação de emergência. Este foi um dos motivos da trombada entre o ministro da Fazenda, Pedro Malan e o do Planejamento, José Serra.
Malan estava de olho apenas nos números vermelhos da balança comercial. O Planejamento apresentou-lhe uma medida provisória contendo vantagens a montadoras instaladas no país e um fechamento radical às importações.
O resultado final foi um compromisso entre as duas posições -cotas mais generosas e um pacote de estímulos no futuro.
A medida irritou a Argentina e não deve ser do agrado de outros parceiros comerciais do Brasil. Em entrevista à Folha, Robert K. Morris, diretor da National Association of Manufacturers, que reúne 13.500 empresas dos EUA, diz ser ``contra a restrição aos importados". Segundo ele, proteções às indústrias criam um ``círculo vicioso" que acaba por manter toda a economia em um nível inferior.

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