São Paulo, domingo, 18 de junho de 1995
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Banco Mundial defende programas de ajuste

Economista-chefe para AL critica cotas de importação

CARLOS ALBERTO SARDENBERG
DA REPORTAGEM LOCAL

O Banco Mundial renova sua confiança no ``Consenso de Washington", tal como ficou conhecido o modelo econômico baseada em forte ajuste das contas públicas, abertura comercial, equilíbrio da taxa de câmbio e desregulamentação geral da economia.
Até dezembro do ano passado, quando afundou na crise das contas externas, o México era dado como caso exemplar do modelo. Mas para o Banco Mundial, o México violou diversas regras do programa, cuja estrela agora é o Chile.
Em todo caso, a crise mexicana deixou lições, que o Banco Mundial distribuiu aos países latino-americanos em conferência anual realizada na semana passada, no Rio, nos elegantes salões do Copacabana Palace.
Na ocasião, a Folha entrevistou o economista-chefe do banco para a América Latina, o chileno Sebastian Edwards, 41 anos.
Ele não gosta da expressão ``Consenso de Washington", mas declara que o Banco Mundial continua apoiando, com ênfase, o modelo das reformas econômicas.
A importância disso é que o banco, instituição internacional com sede em Washington, é o grande financiador da América Latina. Naturalmente, o banco privilegia os países que seguem o modelo.
No que se refere ao Brasil, Edwards, diplomático, evita críticas. Mas diz que, em tese, é contra cotas, contra impostos altos de importação e contra políticas de proteção a determinados setores industriais.
Ou seja, é contra tudo que está na medida provisória sobre a importação de automóveis editada na terça-feira pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.
Eis os principais trechos da entrevista:

Folha - O modelo de reformas econômicas, abertura e privatizações continua valendo depois da crise mexicana?
Edwards - O Banco Mundial acredita que sim. O que aconteceu no México foi uma combinação de efeitos externos, políticos e econômicos, como a alta dos juros nos Estados Unidos, atraindo capitais que estavam no México, e erros de condução política na reação a esses efeitos.
Folha - Quais foram os erros?
Edwards - Destacaria cinco. Primeiro, faltou um programa social mais ativo, para as regiões pobres, de modo a prevenir a eclosão de descontentamentos como o de Chiapas. Segundo, quando foi assassinado o candidato presidencial Colossio, seguindo-se uma previsível queda de investimentos internacionais, o governo deveria ter apertado a política monetária e creditícia, inclusive com uma elevação das taxas de juros. Seria uma resposta à instabilidade econômica e política. Terceiro erro: o governo deveria ter evitado o acúmulo de uma imensa dívida pública de muito curto prazo. Quarto: teria sido aconselhável fazer, no início de 1994, um ajuste cambial, (a desvalorização da moeda local, o peso) passando-se da taxa de câmbio fixa para um sistema flexível. Quinto: o déficit nas contas externas foi muito alto, 8% do produto nacional, e mantido por mais de dois anos. Deveria ter sido enfrentado a tempo, de maneira gradual.
Folha - Por que ninguém percebeu isso antes? Todo mundo, inclusive o Banco Mundial, elogiava o México.
Edwards - Houve uma preocupação séria com a situação mexicana. Muitas instituições, incluindo o Banco Mundial, alertaram as autoridades mexicanas. Mas o governo mexicano achava que, com a integração econômica com os Estados Unidos, estava ganhando tempo para realizar os ajustes. O governo achava que haveria um aumento de produtividade muito rápido na economia mexicana, estimulando as exportações, e neutralizando a valorização da moeda, que estimulava pesadas importações. Calculava ainda que os fluxos de capital não apenas se manteriam, como possivelmente iam aumentar. Esse otimismo fez com que as autoridades mexicanas não dessem ouvidos às preocupações de pessoas e dos organismos internacionais. E não deu tempo.
Folha - Mas só depois da crise do México o Banco Mundial editou as lições para evitar o mesmo problema. Ou seja, esses temas só apareceram depois da crise.
Edwards - Não concordo. Os temas já estavam presentes na discussão econômica na América Latina e há muito tempo. Por exemplo, as políticas aplicadas por Chile e Colômbia, há muitos anos, têm o objetivo de evitar a valorização cambial e a entrada de capitais especulativos de curto prazo.
Folha - Mas o Chile era criticado por isso.
Edwards - Criticado em alguns círculos, mas admirado em outros. E a crise mexicana mostrou que Chile e Colômbia tinham razão.
Folha - Como avaliar os ajustes que o governo brasileiro aplicou no Plano Real depois da crise mexicana?
Edwards - Foram ajustes importantes, a tempo, e na direção correta. Mas é preciso preservar no Plano Real e não cantar vitória antes do tempo. Talvez seja esta uma das lições importantes do México: não se pode cantar vitória antes.
Folha - Nas lições mexicanas, o Banco Mundial fala do perigo de uma valorização da moeda e diz que é preciso flexibilizar a taxa de câmbio. A taxa de câmbio no Brasil é fixa e o real está valorizado. Considera recomendável essa política?
Edwards - Em tese, uma política de flexibilização do câmbio é mais adequada em todos os países. Mas se algum país pretende manter um sistema de câmbio mais rígido, pode fazê-lo, sempre que esteja disposto e tenha a capacidade de impor uma política fiscal e creditícia consistente, isto é, a forte contenção nas contas públicas e restrição ao crédito e ao consumo. (Isso reduz a demanda por importações).
Folha - Seria esse o caso da Argentina, que há mais de quatro anos mantém a taxa de câmbio de um peso igual a um dólar?
Edwards - O ministro Domingo Cavallo e o presidente Carlos Menem sabem que é necessário manter essa consistência. E fizeram ajustes sérios neste ano. O governo aumentou impostos, reduziu gastos, elevou os juros reais, reduziu o crédito, tudo resultando numa economia equivalente a 2,5% do produto nacional.
Folha - No Brasil, o ajuste das contas públicas é muito precário, baseado em medidas emergenciais. As grandes dívidas do governo não estão resolvidas, ainda não se fez a reforma da Previdência, nem a tributária. É, portanto, necessário desvalorizar o real?
Edwards - O importante aqui seria transformar esse equilíbrio fiscal precário em permanente, por meio de medidas que têm sido preconizadas pelo ministro Pedro Malan, da Fazenda.
Folha - Enquanto não se produz esse ajuste permanente, o governo está tomando medidas emergenciais, como o regime de cotas de importação de carros para conter déficit no comércio externos. Acha boa política?
Edwards - Não. A abertura da economia é a base fundamental das reformas. É extremamente perigoso e negativo começar a introduzir exceções à abertura. O sistema de cotas é um mecanismo nocivo, negativo e pouco recomendável. Há o perigo de se cair numa série de exceções que, no médio prazo, produzem uma erosão do processo de abertura.
Folha - Mas não é o próprio Banco Mundial que recomenda cuidado com o déficit nas contas externas?
Edwards - Há mecanismos mais adequados para conter importações. Por exemplo, o imposto ao consumo interno, temporário, sobre certos produtos, cuja importação se quer limitar.

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