São Paulo, domingo, 18 de junho de 1995
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A MP desastrada

JANIO DE FREITAS

Parte dos grandes empresários que puseram o senador José Serra no Ministério do Planejamento pode sentir-se bem recompensada pelo investimento, mas o seu ministro, com as tais cotas para importação de automóveis, meteu o Brasil em um problema internacional como há muito não tínhamos.
O comportamento do governo brasileiro é deplorável em todos os sentidos. Errado moral, diplomática, estratégica e comercialmente. Para começar, está em vigor o chamado Acordo de Ouro Preto, feito sob bênçãos de Fernando Henrique Cardoso. Nesse entendimento, referente a produtos do Mercosul, 227 itens da produção argentina receberam, com a concordância brasileira, diferentes proteções contra produtos importados. O Brasil requereu e obteve proteção para apenas 29 itens, entre os quais não incluiu os carros.
Em consonância com o acordo, na quinta-feira da semana passada, dia 8, representantes do governo argentino foram informados em Brasília da medida provisória restringindo as importações brasileiras de carros, mas assegurados de que a Argentina não seria prejudicada. O próprio presidente Fernando Henrique refere-se, na carta que mandou ao presidente Menem, às ``nossas conversas da semana passada" (a semana do dia 8), nas quais manifestou o ``empenho de assegurar que as medidas" protecionistas do governo brasileiro ``não afetem a consolidação deste bem comum que é o Mercosul".
Fiel à maneira peessedebista, a medida provisória lançada por Fernando Henrique não é clara quanto às importações no âmbito do Mercosul. Isto, que o governo supôs inteligente, é o oposto. A falta de clareza dá margem à interpretação, não só dos argentinos, de que o Brasil pretende alcançar alguma restrição mesmo às importações no âmbito do Mercosul. Não fosse assim, não precisaria ser dúbio.
Fernando Henrique está em recuo e o provável é que recue até o ponto de partida, porque um problema com os argentinos significará a inviabilização do Mercosul. Ao erro moral de não ser leal ao acordo, o governo brasileiro juntou, pois, erro estratégico. Não há dúvida, pela posição acoelhada que o governo brasileiro adotou ante a reação argentina, de que Menem chega fortalecido à reunião de presidentes que se abre amanhã. E nisto se vê o erro diplomático da MP trapalhona.
Mas os problemas criados não se limitam à ``latinidad" sul-americana. Já ao elevar os impostos de importação de carros de 20 para 32 e logo para 70%, resultando em aumento de 250%, o governo de Fernando Henrique renegou princípios assumidos na Organização Mundial de Comércio. A MP das cotas agravou o problema e sujeitou o Brasil a represálias, já mencionadas, tanto da OMC como, em particular, da União Européia, o que seria desastroso para as exportações brasileiras e para a economia nacional como todo.
De quebra, o governo desmoralizou a sua política de abertura para a globalização. Não é fácil a um governo conseguir tanto com uma só penada.

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