São Paulo, segunda-feira, 19 de junho de 1995
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A guerra das cotas

MARCELO BERABA

SÃO PAULO - Devem estar certos, Brasil e Argentina, quando brigam entre si para ver quem empurra mais carros para o outro.
Tenho certeza de que a razão principal da guerra não são as balanças comerciais deficitárias, nem a disputa por supostos investimentos das montadoras.
O principal motivo é, na verdade, um surto simultâneo e inesperado de racionalidade e de bom senso que acometeu os dois governos. Destas coisas raras que, mesmo quando praticam conscientemente, os governos se envergonham de revelar para que não pareçam mais fracos do que são.
Há um dado importantíssimo que precedeu a crise e que ninguém a ela ainda associou: o grande engarrafamento que paralisou São Paulo na tarde/noite de quarta-feira. Foram 174 quilômetros de carros parados nas ruas da cidade. O normal é engarrafamentos de 70 a 90 quilômetros...
Alguma alma caridosa deve ter avisado FHC (por Internet, porque os celulares não funcionam): SP parou. Menem deve ter tido a mesma informação, em tempo real, e tomou providências para preservar Buenos Aires.
Tem razão Antonio Ermírio de Moraes quando reclama, como fez ontem na Folha, da degradação de São Paulo. A cidade, e não apenas o seu centro, está imunda. As ruas estão mais esburacadas do que em qualquer outro período recente. O trânsito é uma desgraça.
A economia cresce, mas crescem juntas as dívidas financeira e social. A cidade não tem um rumo, uma projeção estratégica do seu futuro. Os investimentos são feitos para automóveis, quando São Paulo tem um dos piores sistemas de transportes coletivos entre as grandes cidades do mundo.
Eis porque estou convencido de que a verdadeira razão da guerra das cotas de automóveis não é comercial. Ela é movida por razões humanitárias. Alguém está tendo piedade de nós.

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