São Paulo, terça-feira, 27 de junho de 1995
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Cidade do futuro beira a catástrofe

MARIE CLAUDE MARTIN
DO ``LE NOUVEAU QUOTIDIEN"

Uma megalópole tentacular saturada de detritos, veículos, sinais luminosos, poluição. Uma mistura de antigo e novo, alegria e desolação. Los Angeles (EUA) em 2019, segundo ``Blade Runner"(Ridley Scott, 1982). A cidade do futuro.
Nascido na era industrial, o cinema sempre se alimentou de imagens urbanas. ``Metropolis" (Fritz Lang, 1927) já propunha um contramodelo fascinante e redibitório, onde os mestres vivem nas alturas e os escravos nas profundezas.
Fritz Lang -que estudou arquitetura- fez dele o emblema da cidade totalitária, com suas câmeras onipresentes e sua verticalidade opressora. ``Metropolis" é a própria expressão da megalópole industrial e hiperpoliciada, onde a máquina substituiu o homem.
``Blade Runner" foi mais longe, mesmo sem ter acontecido o pior: o homem ainda está no coração da cidade, mas réplicas -robôs criados à imagem do homem- infiltraram-se nela.
É com ``Brazil" (Terry Gilliam, 1985) que o cinema fez a cidade perder as características de humanidade: prédios de baquelita, edifícios de inspiração fascista, pálidas cópias de frontões antigos.
A cidade imaginada pelo diretor apenas dedica-se ao culto da administração. O humor tingido de absurdo do realizador não é suficiente para nos aliviar dessa visão mórbida de uma cidade onde o homem é apenas um número.
Curiosa mania do cinema. Nascido das cidades, devia sentir-se em casa nesses entrançados de pontes, essa confusão de ruas, esses prédios altos, essas encruzilhadas fervilhantes, essas escadarias exteriores, esses tetos-terraços.
O cinema -combinação sutil de imagens e de sons- é a arte mais apropriada para captar a pulsação de uma cidade, extrair sua essência, exalar sua música.
É só ele que pode apoderar-se daquilo que nem a pintura nem a literatura nunca poderão relatar: o movimento e a velocidade.
Se a lembrança de King Kong dominando Nova York (EUA) do alto do Empire State Building está gravada na memória de todos, as cidades não são percebidas só pela imagem, mas também pelos sons.
Eles permitem, por reverberação, medir o espaço ou o volume de uma cidade. Que seria da ``Manhattan" (Woody Allen) sem Gershwin? E da Viena subterrânea do ``Terceiro Homem" (Carol Reed/1950) sem o som da cítara que é fatalmente ligada a ela?
E da Roma de Federico Fellini sem a música de Nino Rota? E da Berlim de Wim Wenders sem o rock de Nick Cave? Uma cidade se escuta tanto quanto se vê.

Tradução de Bertha Halpern Gurovitz.

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