São Paulo, terça-feira, 27 de junho de 1995
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Fez, vista por um apregoador

KHALID BELYAZID
ESPECIAL PARA O WORLD MEDIA

Boas pernas e memória, eis tudo o que Deus me deu para ganhar a vida. E agradeço a ele em toda prece. Minha vida é regulada pela prece, na minha querida e velha cidade de Fez (Marrocos).
Todo dia, depois da prece da tarde, dirijo-me para o mercado das babuchas (chinelos) onde sou apregoador público.
As babuchas são a especialidade de Fez. A gente põe e tira dos pés com facilidade, o que é prático para entrar nas mesquitas.
Mas retornemos às minhas babuchas: carrego uma dezena em cada braço, enfiadas umas nas outras, e grito o último preço percorrendo a passos largos o mercado e elogiando a mercadoria. O mercado está sempre cheio.
Os comerciantes da galeria onde se acham lojas de tecidos, jóias de ouro ou fios de seda desenvolveram um sentimento de poder e orgulho. Eles mantiveram sempre relações comerciais com várias cidades do mundo: Gênova, Manchester, Marselha, Saint-Louis do Senegal, Tomboctou.
Um homem de idade e piedoso, que usa turbante e barba branca, diz a todos que ``o que me conserva é o chá de menta, o haxixe que fumo e minha jovem mulher".
É uma jovem camponesa, de uns 20 anos, ele tem uns 80. Apesar de sábio, não pôde resolver meu litígio com um comerciante.
O verão é uma boa estação, é a estação dos casamentos, primeiro, no campo. Se a colheita é boa, os jovens camponeses se casam. Os noivos devem usar roupas e babuchas novas. Os convidados também e os negócios prosperam.
Nas cidades os casamentos também se multiplicam no verão, particularmente o dos marroquinos que trabalham na Europa e que vêm procurar uma companheira para seu exílio. No inverno os negócios andam devagar e só melhoram durante as festas religiosas.
Além das babuchas, sou apregoador de pufes, assentos de couro bordados que são enchidos de lã, algodão ou roupas velhas.
As grandes sociedades vendem os pufes em quantidade nos hotéis e no estrangeiro.
Quando as babuchas vão mal, dirijo-me ao mercado das roupas usadas, algumas ruelas mais adiante. Lá, tudo se vende e os mais ricos, que querem estar na última moda, desfazem-se de suas roupas velhas.
Os criados que as recuperam para apurar algum dinheirinho.
São as mulheres que trazem suas últimas riquezas, para ter alguma coisa ainda por alguns dias. Os ladrões que trazem sua presa são logo descobertos.
Mais do que qualquer local, o mercado vive o ritmo da moda.

Tradução de Bertha Halpern Gurovitz.

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