São Paulo, terça-feira, 27 de junho de 1995
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Tóquio destrói seus prédios

ARATA ISOZAKI
ESPECIAL PARA O WORLD MEDIA

No período da ``bolha de crescimento econômico" do final dos anos 80, Tóquio (Japão) estava em pé de guerra por conta da aparência bizarra de vários edifícios.
Alguém comparou o fenômeno a uma ``violenta praga de cogumelos venenosos". Essa associação entre o desenvolvimento urbano desordenado e a ferocidade de plantas autógenas é perfeita.
É certo que as feições de Tóquio diferem radicalmente das cidades ocidentais. E essa praga particular de prédios esquisitos é determinada pela lógica particular de seu desenvolvimento desordenado.
No centro da cidade, novas entidades comerciais, batizadas de ``café-bar", aparecem e desaparecem com velocidade muito superior à média das cidades ocidentais.
Os interiores e as fachadas são reformados a cada seis meses. Um investimento imobiliário, em geral, dá retorno em três anos. Depois, os prédios são destruídos.
O resultado disso é que muitos cogumelos venenosos -hoje considerados lixos gigantes- são visíveis ainda hoje.
Um exemplo: Phillipe Stark projetou uma famosa cervejaria para uma companhia que cresceu rapidamente graças a uma administração bem-sucedida.
O projeto, erguido próximo ao prédio da empresa -ele mesmo parecido com uma caneca de cerveja-, tem um toque final: um objeto dourado flutua sobre o teto.
Pode ser que, para alguns japoneses, esse objeto evoque a nuvem dourada usada por certo macaco mágico da mitologia chinesa. Mas a maioria o conhece por seu apelido -``a merda de ouro".
Um outro exemplo de prédio horrendo é ainda mais impressionante. Para se ter uma idéia, imagine a nave alienígena projetada por Ginger para ``Alien" (Ridley Scott) ou uma versão arquimonstruosa do inseto em que o senhor Samsa se metamorfoseou segurando na boca um ovo de três andares.
O resultado era mais que previsível: devido à aparência grotesca, o proprietário tentou em vão, por dois anos, vender o prédio. Por fim, destruiu-o.
O destino dessa obra exemplifica as maquinações que envolvem o surgimento e desaparecimento de prédios em Tóquio.
Em primeiro lugar, embora o terreno se situasse em zona residencial, todos os envolvidos no projeto confiavam na alteração do zoneamento. O comércio se expandia.
Os moradores das vizinhanças protestaram vigorosamente contra esse prédio que havia sido projetado e recebera permissão de construção como residencial -estavam chocados com sua sua aparência horrorosa.
O próprio departamento municipal responsável pela aprovação de construções, geralmente tolerante com violações do gênero, recusou-se a conceder o ``habite-se" -ficou chocado com a sua ousadia.
Para o jovem arquiteto que o projetou, essa constante construção e destruição de prédios acabou não sendo uma prática assim tão má -considerando que a vida útil do seu prédio terminaria em poucos anos, pode-se dizer que sua hora chegou só um pouco mais cedo do que ele esperava.
Esse foi um dos acontecimentos mais felizes da história arquitetônica recente de Tóquio. A cidade, agora, anda às voltas com lixo ainda muito maior.
Esse país insular tem uma grande concentração populacional em Tóquio: a região metropolitana engloba hoje as cidades vizinhas. São 30 milhões de habitantes.
Na época da ``bolha de crescimento econômico", as perspectivas financeiras otimistas estimularam o desenvolvimento de inúmeros projetos públicos.
Muitos desses teatros, salas de concertos e museus só foram concluídos agora. Quer dizer, os projetos tiveram início durante a expansão da bolha, mas sua realização só aconteceu depois que a bolha estourou.
Os cidadãos de Tóquio, já chocados com os edifícios grotescos, hoje lamentam esses prédios públicos incoerentes.
Com tantas confusões de escala, essas construções estão se transformando em um lixo gigante, que não pode ser coletado.

Tradução de Lucia Boldrini.

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