São Paulo, terça-feira, 27 de junho de 1995
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Carro será 'coisa do passado'

Subir o combustível é uma das armas para tirá-los das ruas

TJEERD DEELSTRA
ESPECIAL PARA O WORLD MEDIA

Um carro utiliza cerca de 60 m2 de espaço nas vias públicas, viadutos e estacionamentos, enquanto que um ônibus ocupa 9 m2 e um bonde 5 m2. O metrô é o mais eficiente -ocupa só 2 m2.
Ele é também o campeão em emissão de dióxido de carbono por passageiro -seu índice é 50% superior, se comparado com outros meios de transporte coletivos.
O ruído é outro problema. Em recente pesquisa da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento da Europa), que reúne também Austrália, EUA e Japão, 96% das cidades apontaram os carros como responsáveis pela maior parte dos seus problemas de poluição.
Estudos suecos mostram que a poeira, os gases, a vibração e os distúrbios sonoros resultantes dos carros causam entre 300 e 2.000 novos casos de câncer por ano.
Pesquisas britânicas apontam cerca de 10 mil mortes/ano em consequência dos gases emitidos pelos escapamentos dos carros que circulam na Inglaterra e no País de Gales. E sugerem que o número de pacientes que sofrem de asma está diretamente ligado ao nível do trânsito.
Quanto mais as cidades se tornam dependentes dos carros, menos acessíveis elas se tornam para parte de sua população: idosos, crianças, deficientes e pobres.
Com o crescimento do número de escritórios, shoppings centers, áreas de lazer e condomínios residenciais em regiões periféricas e subúrbios das cidades, o acesso fica limitado a apenas quem possui carro.
Os níveis de educação e a distância também estão interligados. Mais de um terço da mão-de-obra feminina não-especializada em Copenhague (Dinamarca) trabalha no seu próprio bairro ou nas vizinhanças.
Os carros dão mais chance de escolha para as pessoas: onde viver e a distância entre a casa e o trabalho. Os subúrbios eram inacessíveis décadas atrás, quando era comum viajar de trem ou ônibus.
Zurique (Suíça) é um bom exemplo: em 1950, os trabalhadores convergiam de apenas 14 municípios próximos à cidade; em 1960, de 39, e em 1980, de mais de 80.
À medida que cresce o número de carros nas ruas, forma-se uma perigosa espiral invertida nos velhos centros urbanos: negócios, hospitais e instituições estão tendo que se deslocar até regiões mais acessíveis.
Os efeitos nocivos só podem ser minimizados se for revertida essa tendência de mais e mais carros nas cidades. Em todo o mundo, o que não faltam são exemplos de políticas viáveis para o transporte urbano.
Nas regiões urbanas da América do Norte e Austrália, há esforços para fazer os subúrbios acessíveis por trens rápidos.
Em Portland (EUA), as medidas para atrair novos moradores incluem a criação de áreas exclusivas para pedestres, regras de estacionamento mais restritas e transporte de graça para os pedestres no centro.
Os resultados foram imediatos: 40% da população já usa o transporte coletivo, seis linhas de trens rápidos estão em construção e 30 mil novos empregos foram criados.
O sistema de transportes de Cingapura tornou-se famoso e foi adotado por várias cidades em todo o mundo. Curitiba (PR) foi uma delas (leia texto à pág. 22).
Moradores de bairros pobres foram estimulados a coletar lixo em troca de passes livres de ônibus. Um ponto de ônibus confortável foi criado, feito de tal maneira que os carrinhos de bebês e as cadeiras de rodas entram com facilidade nos ônibus.
Apesar disso, os especialistas acreditam que o uso do carro vai crescer. Boletim recente do OCDE prevê um aumento de cerca de 50% nos próximos 20 anos.
Medidas abrangentes -e algumas vezes até mesmo não muito convencionais- serão necessárias para impedir este crescimento. O uso do carro irá se tornar, naturalmente, uma coisa do passado.
Uma arma importante para impedir o aumento do número carros é subir o preço do combustível a um nível onde o carro se torne uma opção pouco interessante.
A aplicação do princípio ``quem polui paga" e o repasse dos custos externos de carros legitimam o aumento drástico.
O combustível mais caro levará a uma nova divisão da ocupação territorial. Ela deixará as atividades mais próximas e permitirá um sistema de transporte público mais eficiente -e também com infra-estrutura para tornar mais segura e confortável a circulação de pedestres e ciclistas.
O ar ficará mais limpo e livre dos gases que causam o efeito estufa -a saúde será favorecida. E os custos serão bem menores para a comunidade, que também verá uma sensível queda da exclusão social.

Tradução de Vasco da Costa Pinto Neto.

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