São Paulo, terça-feira, 27 de junho de 1995
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Exposição traz objetos de Gilles Jaquard

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

O MNBA informa: saiu Rodin, entrou Jacquard. Isto não quer dizer que o Museu Nacional de Belas Artes, no Rio, continue entregue às artes da ``douce France". Faz tempo que Gilles Jacquard deixou de ser francês para tornar-se um garoto de Ipanema; o que vale dizer, um carioca honorário. E um brasileiro mais legítimo, porque de livre e espontânea vontade.
Aos 51 anos, ele já não pode ser mais chamado de garoto. Nem de Ipanema, pois há muito mora numa mediterrânea casa de outro bairro, ainda mais ao sul, na fronteira de São Conrado com a Barra da Tijuca. Carioca, contudo, ele nunca deixará de ser. ``Nunca vi um francês tão adaptado aos hábitos e às mumunhas do Rio", afiançava o folclórico cronista ipanemense dos anos 60, Carlinhos de Oliveira, um dos que mais de perto acompanharam a trajetória de Gilles pelos círculos boêmios da cidade. Até crônicas de Rubem Braga ele frequentou.
Chegou na época certa, com a idade certa: 1962, 18 anos. O Rio fulgurava e Gilles ainda pegou as sobras dos anos JK. Enquanto sua mãe dava aulas de etiqueta para as filhas de Juscelino Kubitschek, ele se enturmava com a patota que tentava fazer de Ipanema uma Montmartre tropical: Antonio Dias, Rubens Gerchman, Angela e Adriano de Aquino, Roberto Moriconi, Roberto Magalhães, fraternais amigos até hoje.
Com um ano de Brasil, a primeira exposição, na galeria Gead, com as bênçãos de Maria Portinari e do poeta Augusto Frederico Schmidt. ``Expressionismo místico, próximo da redução abstrata", rotulou um crítico. Incentivado por Lygia Clark e Mário Pedrosa, emplacou cinco telas na Bienal de São Paulo de 1967. Alguns salões e algumas galerias depois, o borgonhês que até hoje idolatra a ``arte bruta" de Jean Dubuffet pendurou a paleta para aplicar sua expertise em móveis e arquitetura de interiores.
Daí a surpresa de alguns. ``Mas o Gilles não mexe com decoração?", perguntam. Mexe. Mas o dedo coçou, o cheiro de terebentina e tinta óleo voltou a lhe fazer falta -e ele retornou ao cavalete. Com uma obsessão: os objetos que tomaram conta do nosso cotidiano, para não dizer de nossas almas.
``Coisas que possuímos ou sonhamos possuir", especifica o artista, cada vez mais escabreado com a volutuosa relação das pessoas com os objetos. ``As pessoas não conversam mais como antigamente, só falam do que compraram ou gostariam de comprar."
Consequência um: a humanização dos objetos. Consequência dois: a desumanização das pessoas. O que explica por que certos objetos recriados por Gilles, como sapatos e roupas, não estejam calçados nem vestidos, e que outros, como geladeiras, carros e bicicletas, pareçam extensões do corpo humano.
Como Picasso, a aspiração maior de Gilles é pintar com a pureza de uma criança. Seu figurativismo tem o espalhafato visual dos quadrinhos (``a TV da minha geração"), o sarcasmo de um cartunista ``manqué" e a banalidade grotesca do que, ironicamente, chamam de ``bad painting".
Dubuffet achava que ``a verdadeira arte está sempre onde não a esperamos, onde ninguém pensa nela nem pronuncia o seu nome". Gilles parece tê-la encontrado.

Exposição: Objetos
Artista: Gilles Jaquard
Onde: Museu Nacional de Belas Artes (av. Rio Branco, 199, Centro, Rio de Janeiro )
Quando: vernissage hoje, às 18h; de 28 de junho a 30 de julho

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