São Paulo, sábado, 1 de julho de 1995
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O futuro inquietante

JANIO DE FREITAS

O espetáculo deprimente dado por três ministros e pelo presidente do Banco Central esteve à altura da missão a que se propuseram: explicar o que ora não sabiam, ora não podiam explicar, sob pena de ter que admitir de público que os assalariados, inquilinos, pais de alunos -a grande maioria- têm todos os motivos para sentir-se inquietos com o que os aguarda.
O ministro José Serra, vivaldino, fez uma figuração no começo da entrevista ``explicativa", saiu e deixou a bomba com os outros. Ficou tempo suficiente, porém, para deixar uma afirmação que logo estará em xeque: ``A caderneta de poupança não sofrerá nenhum prejuízo, nenhum, nenhum, nenhum". Mas a caderneta foi assunto de interesse menor, suplantada de longe pela justificada persistência dos jornalistas nas regras salariais e nos aluguéis. E aí foi o afundamento dos ministros Pedro Malan e Paulo Paiva e do presidente do BC, Gustavo Loyola.
Acredito ter veiculado, aqui, uma impressão sólida a respeito de Pedro Malan: a de ser, entre os encarregados da área econômica, o mais honesto intelectualmente, no sentido de não fazer uso de truques, subterfúgios e demagogia. Não tenho mais a impressão mantida desde que conheci Pedro Malan, há uns 30 anos. Sua melhor capacidade verbal -o que, nas circunstâncias, não era grande vantagem, tendo como companheiros o enrolado Paulo Paiva e o perplexo Gustavo Loyola- não disfarçou os seus malabarismos, a fuga ao essencial das questões postas, a insistência em argumentos falsos -como ``a correção pelo IPC-r está assegurada até junho", quando as perguntas eram sobre o destino dos salários pós-junho.
É quase inacreditável que ministros convoquem entrevista para explicar uma medida provisória e tenham que confessar sua absoluta ignorância sobre um ponto tão importante, socialmente, quanto as alterações para os inquilinos. Pois foi o que aconteceu. Diferente, mas não menor, foi o vexame das tentativas de enrolar os repórteres nas questões dos salários.
Não há como fugir do óbvio: a ``livre negociação dos salários" não é livre, tantas são as restrições estabelecidas para a alegada negociação. A MP chegava ao extremo de afirmar que ``está vedado o aumento real de salário que não esteja baseado em indicadores objetivos". O que são indicadores objetivos? -foi perguntado aos próprios signatários da MP. Não houve resposta compreensível. Mas a brutal arbitrariedade da proibição ficou patente. Nem nos seus momentos mais cruéis, em termos sociais, a ditadura militar admitiu ir tão longe.
A conveniência da desindexação é reconhecida, senão unanimemente, quase isso. Mas o que o governo acaba de fazer não é desindexação: desprotegidos das correções estão os salários e os aluguéis, não os preços, os impostos, as tarifas, o mercado financeiro. ``O que estamos fazendo é retirar o governo das relações entre capital e trabalho", entoaram os ministros. O que fizeram, na verdade, foi introduzi-lo ainda mais, ao ponto absurdo de situar o próprio governo, por intermédio do Ministério do Trabalho, como intermediador das negociações salariais. Não se precisa dizer quem será o beneficiado.
O que o governo fez não é desindexação: é o autoritarismo sob a forma de uma medida provisória que tem muita complicação pela frente.

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