São Paulo, sábado, 1 de julho de 1995
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Classificação não é censura

PAULO GOUVÊA DA COSTA

O Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que as emissoras ``somente exibirão no horário recomendado para o público infanto-juvenil programas com finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas". A quem cabe garantir a eficácia dessa norma?
A Constituição brasileira, em seu artigo 221, preceitua que a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão respeitarão ``os valores éticos e sociais da pessoa e da família". E o artigo 220 prevê que a lei federal estabelecerá ``os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no artigo 221". Como deve ser concretizada essa defesa?
Qualquer desses dispositivos, em relação aos quais certamente existe consenso na sociedade brasileira, vira pó se não há a garantia de sua efetivação. Logo, a classificação feita pelo Estado é condição indispensável para assegurar aos cidadãos, especialmente às crianças e aos adolescentes, que os direitos que lhe são reconhecidos na Constituição terão efeito prático.
Há, porém, quem argumente que a existência de outro direito na Constituição, o de proibição de censura, impediria qualquer possibilidade de uma classificação impositiva dos programas de televisão. Isso é uma tolice. Primeiro, porque a classificação não implica censura. O direito de o artista exprimir seu talento não é restringido. O que a classificação faz é delimitar os horários nos quais as criações poderão ser exibidas. Ninguém certamente acha que no Brasil se pratica censura à criação cinematográfica porque existe uma classificação dos filmes por idade.
Por outro lado, seria absurdo imaginar que um direito, como o da proibição da censura, pudesse ser ilimitado, invadindo o espaço reservado ao cidadão por outros dispositivos da Constituição.
Na verdade, não é bem aí que está o problema. A questão é outra: trata-se de aceitar ou não que, em razão da disputa por pontos de audiência, as emissoras devam ficar livres para exibir o que quiserem, em qualquer horário. Danando-se, em consequência, o respeito aos valores éticos.
Na contramão do que penso, sempre há quem diga que os pais têm a prerrogativa de selecionar os programas, mudando de canal. Se levássemos tal argumento a sério, teríamos que entender dispensáveis aqueles artigos todos de proteção à família. O controle remoto substituiria a Constituição e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
O projeto que propus ao exame do Congresso Nacional não cria ou recria qualquer tipo de censura, mas, simplesmente, torna obrigatória a classificação que já existe. Que existe e não é respeitada e que continuará sendo ignorada enquanto os valores do Ibope valerem mais que os valores da família. A não ser que a classificação que hoje é ``indicativa" passe a ser obrigatória.

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