São Paulo, sábado, 1 de julho de 1995
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Necessário, mas insuficiente

CLÓVIS ROSSI

O bom comportamento relativo da inflação neste primeiro ano do real se deveu, essencialmente, à pressão dos importados, tal como o demonstrou esta Folha em texto publicado dias atrás. Sem ela, a inflação ainda estaria na faixa dos três dígitos anuais.
A pressão dos importados, por sua vez, funciona de duas formas. Uma é consequência da abertura da economia, fenômeno inevitável quando se está condenado a entrar no jogo da globalização. É claro, em todo caso, que se poderia administrar melhor a abertura ou para reduzir o número de vítimas ou para ferir menos as que seriam atingidas de qualquer forma.
É o caso, por exemplo, do setor agrícola, punido de forma exagerada, o que poderá ricochetear na própria estabilidade se correções não forem introduzidas em tempo (e ainda há tempo).
A segundo forma, também vinculada à globalização, é o nível dos juros. Eles foram puxados para patamares insanos menos para conter o consumo e mais para tentar atrair capitais internacionais de forma a impedir um desastre nas contas externas.
É por culpa dos juros ou, mais propriamente, do sufoco creditício que o real chega ao primeiro aniversário em um ambiente de inquietação mais ou menos generalizado.
É exagero dizer-se, como o fez anteontem Mario Amato, presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria), que o país já está em recessão. Mas há setores que de fato estão, o que, por sua vez, dissemina até nos que não estão a sensação de que o horizonte ficou no mínimo embaçado.
Tudo isso, do ponto de vista da estabilização. Ora, no programa de Jô Soares de segunda-feira, o ministro do Planejamento, José Serra, foi claro ao dizer que a estabilização é condição necessária para que se ataque a enorme dívida social acumulada no país.
Perfeito. Pena que o grande déficit do real neste seu primeiro ano tenha sido o de abandonar a questão social até o ponto de ela estar virtualmente fora da agenda, a não ser por esporádicas investidas retóricas.
Conclusão: até aqui, o real cuidou de apenas uma perna, a do necessário, e mesmo assim essa perna ainda corre riscos de gangrenar. Deixou-se de lado a perna do resgate da dívida social. Ao menos iniciá-la era ir além do necessário, que sempre é mais fácil de se fazer.

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