São Paulo, sábado, 1 de julho de 1995
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O cavalo alado que virou mula

GILBERTO DIMENSTEIN

Perguntei ontem ao deputado Roberto Campos como se sentia com anúncio da medida que tenta extinguir a correção monetária, criada no seu tempo de ministro do Planejamento. Brincou: `` Nada tenho a ver com isso. Criei um cavalo alado que, depois, transformaram numa mula".
O governo vai descobrir, agora, que a mula ainda vai dar muita patada -e, de preferência, com mais força diante da canela de algum ministro. Óbvio que as medidas anunciadas ontem são mais enfáticas (aliás, muitíssimo mais enfáticas) quando enfocam os salários. Na prática, criou-se uma âncora salarial.
Traduzindo: o presidente Fernando Henrique Cardoso está dando uma bandeira a dirigentes sindicais e partidos de oposição. O que significa debate no Congresso.
O problema maior, porém, é que vai demorar anos e anos até essa ``mula" ser sepultada. E por um simples motivo: o brasileiro está contaminado pela indexação. É um jeito de ver o mundo, justificado pela crônica inflação.
O desafio é gigantesco, porque, afinal, o que é hoje uma ótima notícia -inflação de 2% ao mês- logo será um estorvo. Cada vez as pessoas vão se acostumar a patamares mais baixos. Com 2% ao mês, tem-se uma inflação anual de quase 30%. Ou seja, o trabalhador ficou 30% mais pobre.
Portanto crescem as responsabilidades do governo em acertar. Ou seja, exige-se mais esforço em reformar a Constituição, enfrentar pressões por mais recursos, mais subsídios. E, claro, reduzir ainda mais o ritmo da economia para tentar afastar a inflação. Tudo isso exige briga e conflito.
Uma pequena vacilada tende a colocar mais força na pata da mula -e aumentar o número de ministros em sua frente.
PS - Na esteira da discussão sobre a proibição do banda mirim Olodum de tocar numa igreja em Brasília, o presidente da CNBB, d. Lucas Moreira Neves, deu ontem uma bofetada moral no sincretismo religioso. Ao comentar a tradicional festa de lavagem do Bonfim, em Salvador, disse que se trata, basicamente, de um ``sincretismo com bebida, violência e imoralidade". Nada involuiu mais neste país do que a direção da Igreja Católica.

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