São Paulo, domingo, 2 de julho de 1995
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Os riscos do Plano Real

LUÍS NASSIF

A sorte está lançada. Queimaram-se as caravelas e agora é tratar de nadar. Poucos duvidam que o objetivo maior da desindexação -o fim da inflação- será alcançado. Porque existe coesão em torno da meta de acabar com a inflação. E se não der certo, dança o governo e dança o país.
O que está em questão é a dose de sacrifício que vai ter que ser imposta para se alcançar o objetivo proposto. Vai ser bastante aguda, em função dos erros de condução de política econômica que marcaram o plano.
Nos últimos anos, os economistas tomaram dos físicos os estudos sobre a teoria do caos para entender melhor o seu ``métier". Em suma, reza que, tendo-se um corpo sob equilíbrio, caso se aplique determinada força sobre o equilíbrio, acaba se produzindo uma sucessão de reações proporcionalmente muito maior do que o impacto inicial.
No caso do Plano Real, a distorção original foi do câmbio e da abertura comercial indiscriminada, produzindo um déficit comercial estrutural.
Contra a lógica
A lógica da desindexação da economia pressupõe duas características na economia. A primeira, que esteja desaquecida para impedir indexações de salários e preços. A segunda, que esteja escancarada para que as importações desestimulem qualquer movimento especulativo interno.
Os erros cometidos no início do ano, na tentativa de realinhar o câmbio, acabaram deixando o governo na armadilha das bandas cambiais.
Os desajustes comerciais estimularam a volta de práticas protecionistas, o que colide com o espírito da desindexação e corta uma das pernas do plano.
Além disso, sem poder operar com o câmbio, para desfazer os déficits comerciais, o governo foi obrigado a desaquecer a economia, antes que o país entrasse em um córner cambial.
O caminho escolhido para tal foi jogar os juros para o espaço e praticamente extirpar o crédito na economia -e não apenas reduzir um pouco o crédito, como pretendeu o presidente da República em seu pronunciamento na última quinta-feira.
Sequelas
Jogar toda a responsabilidade de reduzir a demanda e equilibrar a balança comercial nas costas dos juros significou taxas elevadíssimas -além da barbeiragem cometida na área da contenção do crédito- que, por sua vez, geraram novas distorções.
Com esses níveis de juros, no primeiro tempo do jogo as dívidas federal, estaduais e municipais cresceram exponencialmente, aumentando de maneira aguda as pressões sobre o Tesouro, e comprometendo o ajuste fiscal futuro. No segundo tempo, haverá redução da arrecadação fiscal.
Minas Gerais ainda não sentiu retração da arrecadação. São Paulo já começou a sentir na semana passada. Mas será inevitável. E aí o grau de pressões sobre o governo federal aumentará substancialmente.
No plano agrícola, política cambial mais política de juros jogaram a agricultura na maior crise de endividamento de sua história. Hoje, paga a agricultura. Na próxima safra, pagará o país.
Desta maneira, as apostas do Plano Real repousam em uma lógica perversa. Dará certo se a recessão for suficientemente forte para impedir a desindexação salarial, dando tempo para que se completem as reformas constitucionais.
No próximo ano, com as reformas em vigor, o país sairá da crise. Mas com milhares de vítimas pelo caminho.
Imprensa
Espera-se que a imprensa cumpra seu dever de retratar com honestidade o quadro que vem pela frente. Não estará jogando contra o Real. Estará apenas cumprindo sua obrigação profissional, e alimentando o governo com informações que são fundamentais para monitorar sua ação.
Jatene
Que Plano Real, que nada. A mais importante batalha do país, em direção a uma nação mais justa e civilizada, está sendo empreendida pelo ministro da Saúde, Adib Jatene. A coluna voltará ao tema.

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