São Paulo, domingo, 2 de julho de 1995 |
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Cabo-de-guerra
MARILENE FELINTO
Trabalhando sozinho, sem consultar qualquer autoridade alemã, Hochhuth descobriu em Nova York duas famílias de judeus-alemães que possuíam títulos do Berliner Ensemble dos anos 30, antes das desapropriações efetuadas pelos governos nazista e comunista, conforme apurou o ``The New York Times". Hochhuth não teve dúvida: comprou o teatro desses ``proprietários legais", por cerca de US$ 3 milhões. Desde sua fundação até a queda do Muro, o Ensemble -hoje localizado na Bertolt Brecht Platz, nº 1, na ex-Berlim Oriental, exibindo uma estátua do dramaturgo na entrada- era propriedade do Estado, recebendo generosas subvenções, apesar de, nos anos 50, encontrar-se a economia ainda destroçada pela Segunda Guerra. Naquela época, o Ensemble estava no auge de seu prestígio. Administrado por Brecht e sua mulher, a atriz Helene Weigel, que acompanhava seu trabalho desde os anos 20, o teatro ia de vento em popa desde sua primeira montagem, ``O Sr. Puntila e seu Criado Matti", do próprio Brecht. Firme em seu ideal marxista, preocupado em fazer da arte dramática o caminho realista através do qual a sociedade alemã tivesse lições de socialismo, o Berliner Ensemble recebeu, em 1951, o prêmio Nacional de Primeira Classe, do governo alemão do Leste. Em 1952, o grupo viajou ao exterior pela primeira vez, obtendo enorme sucesso em suas apresentações. Em 1954, ganhou o primeiro prêmio do Festival de Teatro de Paris, com a peça ``Mãe Coragem", clássico brechtiano. Mas, hoje, ninguém sabe direito a quem pertence o teatro de Brecht. A justiça alemã está julgando diversas contestações entre os atuais ocupantes e os ex-proprietários, cujos títulos mudaram de mãos com o advento do comunismo. Sabe-se apenas que as salas de ensaio, as oficinas de workshops e os escritórios, bem como outras construções acrescentadas ao prédio original, são hoje propriedade da cidade de Berlim. A estas, Hochhuth não teria direito. Parte da verba do teatro ainda vem de subsídios do governo. Mas, no momento, o Ensemble atua no vermelho, com uma dívida de US$ 7 milhões. A ação de Rolf Hochhuth está sendo vista na Alemanha como um golpe espetacular, de um excêntrico rancoroso. Mas ele leva tudo a sério e pretende tomar posse do teatro em 1997, quando termina o contrato de aluguel hoje em vigor com o grupo de Heiner Müller. O Berliner Ensemble move uma batalha judicial contra Hochhuth, ao mesmo tempo que tenta ridicularizá-lo como dramaturgo. Em entrevista à revista alemã `` Der Spiegel", Hochhuth não responde à pergunta sobre de onde veio o dinheiro com que ele pagou pelo Berliner Ensemble. Diz que não está autorizado a revelar o nome dos componentes da ``fundação" e que os patrocinadores querem se manter afastados do estardalhaço da publicidade. Hochhuth, que também concorreu recentemente à direção de outro grande teatro alemão, o Volksbühne, afirmou à ``Spiegel" que escolheu o Berliner Ensemble por ser autor de teatro há 30 anos e se achar no direito de recorrer a Brecht para ter também seu próprio teatro. As divergências entre Heiner Müller e seu rival começam exatamente no lugar onde ficava o antigo Muro de Berlim: a população da ex-cidade ocidental (os Wessis) ainda estranha a gente da ex-cidade oriental (os Ossis). Müller é um marxista Ossi; Hochhuth, um capitalista Wessi. O Berliner Ensemble montou há dois anos a peça ```Wessis em Weimar", de autoria de Hochhuth, mas o autor detestou os cortes e as interferências do diretor. Müller, por sua vez, já declarou publicamente que acha pobre a obra de Hochhuth. Por essas e outras, é que Hochhuth ataca Heiner Müller e seu passado de informante da polícia política da ex-Alemanha Oriental. Na verdade, há poucos meses, Müller foi atacado pelos mesmos motivos por Peter Zadek, um dos diretores do Ensemble, numa disputa interna de poder. Segundo o ``The New York Times", Zadek acusou Müller de ser obcecado por conflitos de classe, de adorar o teatro da brutalidade e de ter preferência por dramas de atmosfera fria, desumana e sem humor. Entre as últimas montagens do grupo, estão obras de Sófocles, Ibsen, Brecht, Harold Pinter e do próprio Heiner Müller. Sob a presidência de Müller, a atual diretoria do Berliner Ensemble é composta pelos diretores artísticos Fritz Marquardt, Eva Mattes, Peter Palitzsch e Peter Zadek, além de Peter Sauerbaum, como gerente comercial. Quanto às divergências internas e à querela da compra do teatro, a posição da direção é de total reserva. Em entrevista à Folha , a dramaturga-chefe do Ensemble, Bãrbel Jaksch, falando em nome de Heiner Müller, foi monossilábica em sua resposta sobre as ambições do suposto novo proprietário, Rolf Hochhuth. Jacksch falou também sobre a importância da obra de Brecht hoje e sobre o futuro do Berliner Ensemble. Folha - Quem é o atual diretor do Berliner Ensemble? Há uma disputa interna e externa pela direção do teatro? Bãrbel Jaksch - Heiner Müller é o diretor artístico do Berliner Ensemble. Quanto à ação de Rolf Hochhuth, nós a consideramos uma questão trabalhista, para jornalistas e advogados. Folha - Como sobrevive o Berliner Ensemble hoje, financeiramente falando? Jaksch - O Berliner Ensemble recebe até o fim da temporada 96/97 uma subvenção de 23,5 milhões de marcos alemães. Folha - Quais as principais mudanças ocorridas no Ensemble desde a queda do Muro? Jaksch - De teatro estatal que era, tornou-se uma sociedade anônima limitada, dirigida por cinco sócios, que também se tornaram diretores artísticos. Nesse ínterim, Heiner Müller assumiu a direção. Ele tem como conselheiros os sócios Peter Palitzsch e Fritz Marquardt. O teatro trabalha nos últimos anos apenas com uma parte do antigo elenco e com muitos atores e cenógrafos convidados. Procura-se encontrar o caminho entre os valores tradicionais e a necessária renovação, tanto no repertório quanto na escolha das peças e na entrada de novos atores. Folha - Qual o futuro artístico do Berliner Ensemble? Jaksch - Nós achamos que essas tentativas de renovação foram necessárias, embora tenham levado a um perfil pouco claro do teatro. Nos próximos anos, o repertório deve ganhar um perfil mais preciso, através de uma concentração em autores como Brecht, Heiner Müller e William Shakespeare. Folha - O trabalho de Brecht é tão importante para a Alemanha reunificada quanto o foi para a ex-Alemanha Oriental? Jaksch - Possivelmente mais importante, quando deixamos de fazer críticas ao próprio Brecht. Folha - O que mudou na forma de encenar Brecht hoje, dentro e fora da Alemanha? Jaksch - É o que nós tentamos descobrir nas nossas próprias montagens. A nova apresentação de ``A Resistível Ascensão de Arturo Ui" é uma sondagem nesse terreno desconhecido. Prepara-se também uma montagem de ``O Sr. Puntila e seu Criado Matti", com direção de Einar Schleet. Texto Anterior: TODOS OS VOLUMES DA COLEÇÃO Próximo Texto: Biografia tenta demolir mito do dramaturgo Índice |
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