São Paulo, domingo, 2 de julho de 1995
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Líder nasceu como refugiado

DA "PARADE"

Seu pai o enviou para viver com um tio, Selim Abu Saud, em Jerusalém. Certa noite, durante a revolta árabe contra os britânicos, Arafat viu soldados destruírem a casa de seu tio: ``Levaram meu tio e o espancaram. Ele e outros parentes. Nunca me esquecerei daquilo", recorda.
Jerusalém está sempre presente em seu sonho de uma pátria palestina. Isso ficou claro dias mais tarde, quando, na periferia de Gaza, ele iniciou as obras de um sindicato palestino.
Gaza possui a vitalidade caótica de qualquer cidade portuária agitada, incluindo um amontoado de campos de refugiados, esgotos rompidos correndo a céu aberto e beduínos conduzindo seus rebanhos de cabras no meio da rua. Gaza também lembra uma cidade florescente da época do "boom" texano. Os bancos estão repletos, fábricas e edifícios são erguidos por toda parte.
Arafat chegou em seu Cadillac à prova de balas, cercado por uma escolta militar e sirenes em alto volume. Pouco depois de descer do carro, porém, o aparato de segurança se desfez. A multidão fez fila para apertar sua mão. Ele avançou por um tapete vermelho estendido no chão de terra.
Então tomou seu lugar sob um toldo enfeitado com bandeiras, diante de 300 espectadores sentados. Dezenas assistiram das janelas dos prédios vizinhos a seu líder sentado na primeira fileira, à frente de guardas entediados.
Numa terra de fanáticos religiosos, onde políticos que procuram conciliar as partes opostas constituem alvos perfeitos, não poderia haver ocasião mais propícia para um assassinato. Anuar al-Sadat, do Egito, foi morto assim, após assinar a paz com Israel.
E Arafat tem muitos inimigos em Gaza. Além dos militantes islâmicos, muitos palestinos preeminentes tinham sido excluídos de seu governo. Estavam esperando seu dia e sua hora, como também faziam vários representantes insatisfeitos da linha dura.
Evidentemente, a hora de Arafat ainda não chegara. Como se tivesse consciência disso, ele se mostrava totalmente à vontade. Abraçou um garoto que lia trechos do Alcorão, saudou uma menininha vestindo uniforme de soldado e começou a fazer seu discurso.
Este começou em tom bastante rotineiro, exortando os trabalhadores palestinos a juntarem as mãos na construção da nova Palestina. Mas depois Arafat os encorajou a continuar construindo até chegarem a Jerusalém. Elevando o tom, Arafat disse: "Todos estamos dispostos a nos tornar mártires pelo caminho, até que nossa bandeira seja hasteada sobre Jerusalém, capital da Palestina! Que não pensem que poderão nos amedrontar com armas, porque as nossas são mais poderosas -a arma da fé, do martírio, da Jihad (guerra santa)!"
A platéia delirou quando Arafat falou de seus irmãos presos. "Não deixaremos um único prisioneiro na cadeia, nem abriremos mão da libertação do xeque Ahmed Iassin" (fundador do grupo islâmico Hamas, Movimento de Resistência Islâmica, que se opõe a Arafat).
Alguns diriam que foi um discurso dirigido a uma platéia mais ampla do que a presente. Arafat estava dizendo a seus inimigos -o Hamas e a Jihad Islâmica- que queria receber o crédito por qualquer soltura de seus presos.
E estava falando a seus companheiros cansados de guerra -homens que o abandonaram depois dos acordos de Oslo e Cairo e hoje esperam para ver como ele vai acertar as contas com Israel.

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