São Paulo, domingo, 2 de julho de 1995
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Átomos e preconceitos

Certa vez Albert Einstein afirmou: ``Época triste a nossa, em que é mais difícil quebrar um preconceito do que um átomo". Estava certo. Os átomos são facilmente ``quebráveis"; já os preconceitos, muitos deles permanecem inquebrantáveis.
Apesar do prudente ceticismo einsteiniano, a ciência pode trazer alguns subsídios para tentar quebrar mais alguns preconceitos, talvez um dos mais antigos e arraigados: o transexualismo.
Em artigo publicado na edição de hoje no caderno Mais!, o médico Roberto Farina defende a legalização das operações de mudança de sexo no Brasil -um projeto nesse sentido já tramita no Congresso- e explica o porquê.
Os avanços obtidos pela medicina permitem hoje a identificação de uma série de distúrbios de ordem genética. Manifestam-se durante o desenvolvimento embrionário e são capazes de originar indivíduos com genitália masculina ou feminina aparentemente normais, mas com as funções cerebrais do sexo oposto ao que aparentam.
O resultado dessas complexas reações bioquímicas, como mostra Farina, são pessoas que acabam desenvolvendo graves problemas psicológicos, ainda mais quando se considera o estigma que pesa sobre os indivíduos que sofrem dessas disfunções. Nas palavras do médico: ``O transexual masculino é um indivíduo de alma feminina enclausurada num corpo masculino".
Repudiando seus órgãos sexuais, o transexual por vezes tenta uma automutilação ou até mesmo o suicídio. Trata-se, assim, de um problema de saúde pública, ainda que acometa uma parcela muito pouco significativa da população.
O fato de serem poucos os beneficiados pelo projeto que legaliza a cirurgia de mudança de sexo não diminui sua importância em termos de ampliação do conceito de cidadania. Hoje, apenas os transexuais ricos conseguem realizar a cirurgia nos países em que ela é permitida e, ainda assim, encontram dificuldades intransponíveis para acertar sua documentação quando voltam.
Mais do que proporcionar uma vida melhor para alguns cidadãos brasileiros, a legalização da cirurgia de mudança de sexo -após cuidadosa análise caso a caso feita por equipes de médicos e psicólogos- contribuiria para quebrar um preconceito e, talvez, tornar a nossa época um pouco menos triste.

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