São Paulo, domingo, 2 de julho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Satisfeito

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA - Permaneço mais 15 dias neste espaço, quando passo a atuar como correspondente da Folha em Nova York. Aproveito, assim, a comemoração do Plano Real, ontem, para reforçar uma crítica cada vez mais frequente contra esta coluna -uma crítica, diga-se, com fundamento.
Tenho recebido cartas de leitores reclamando da ausência daquele tom irado da coluna, semelhante ao dos tempos de Sarney, Collor e Itamar Franco.
A coluna, de fato, reflete como estou me sentindo em relação ao país. Não estou satisfeito com o governo: considero-o ainda lentíssimo (aliás, decepcionantemente lento) no esforço de reduzir a miséria. Também não estou, óbvio, satisfeito com os indicadores sociais, um vexame cotidiano, cujo reflexo é o clima de guerra civil que toma conta das cidades. Vexame dos vexames é a impunidade.
Mais: as máquinas públicas continuam, em regra, incompetentes, fontes de desperdício. Inchadas, sugam cada vez mais recursos de quem trabalha.
Acontece que tenho 38 anos e, até agora, nunca vivenciei uma combinação tão longa de inflação baixa, crescimento econômico, democracia e governo estável. Vivi basicamente o crescimento com ditadura ou democracia com hiperinflação, em meio a surtos de recessão aguda. Nos tempos de Juscelino Kubitschek, o maior estadista brasileiro, eu tinha acabado de nascer.
Conquistou-se este patamar atual não por causa do governo, mas apesar do governo -esse o ponto central da evolução brasileira. A sociedade exigiu mais estabilidade (e, por isso, Lula perdeu); exigiu mais eficiência pública (e, por isso, são quebrados monopólios); exigiu uma moeda estável (e, por isso, o Plano Real não cometeu tantos erros como os demais planos).
O Plano Real ainda tem um longo caminho pela frente, repleto de obstáculos. O maior desafio brasileiro, porém, não é econômico: é melhorar a taxa de cidadania como se melhoraram as taxas de crescimento e preços. Sólidas estruturas e privilégios terão de ser demolidos. É um trabalho de pelo menos uma geração.
Mas não posso deixar de transparecer nesta coluna que, apesar de tudo, nunca estive tão satisfeito com o Brasil -enfim, estamos conseguindo mostrar que a democracia é a melhor forma de gerir conflitos e promover bem-estar.

Texto Anterior: Apertem os cintos
Próximo Texto: Os azuis de Ticiano
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.