São Paulo, domingo, 16 de julho de 1995
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Cenas retratam ``racismo cordial"

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

Para não falar às claras de racismo em ``A Próxima Vítima", o autor Silvio de Abreu usa recursos que os brasileiros conhecem muito bem.
Quando os personagens da novela começam uma conversa que pode enveredar para a discussão do preconceito racial, sempre acabam fugindo do assunto por um dos dois caminhos: a brincadeira ou a insinuação de que, no Brasil, discriminam-se pobres e não negros.
É assim também fora do vídeo. O mito ainda em voga de que os brasileiros cultivam a democracia étnica sustenta-se justamente naqueles dois pilares. Ora o preconceito de cor se traveste de piada, ora se esconde por trás de uma suposta segregação sócio-econômica.
No mês passado, os atores Norton Nascimento (negro) e Mila Moreira (branca) travaram uma série de diálogos que exemplificam com precisão o ``racismo cordial" de ``A Próxima Vítima".
Os personagens Sidney Noronha (Norton) e Carla (Mila) dançavam em uma requintada casa noturna de São Paulo. Estavam iniciando um tórrido romance.
- Nunca pensei que iria me interessar por um cara como você, comenta Carla.
- Um negro?, pergunta Sidney, meio na gozação.
- Nada disso. Um gerente de banco.
- O que você tem contra gerentes de banco?
- O salário.
- Ninguém é perfeito, lamenta Sidney com simpatia.
- Nós somos... Pelo menos dançando. Está todo mundo nos olhando.
- Não é para menos... Fred Astaire e Ginger Rogers em ``black and white". Um negro e uma branca dançando num ``nightclub" destes só podem chamar a atenção.
- Eu devo ter algum tipo de personalidade frustrada, conclui Carla, porque adoro chamar a atenção.
Em outra cena, ainda na pista de dança, Sidney tenta beijar Carla.
- Não... Não quero escândalos, resiste a moça.
- Por que sou negro?
- Não... É porque você é muito bonito, muito gostoso, e eu tenho medo de começar a te beijar e perder a cabeça.

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