São Paulo, quarta-feira, 19 de julho de 1995
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O destinatário exclusivo

JANIO DE FREITAS

O espalhafato do governo fluminense pela futura instalação de uma fábrica da Volkswagen no Estado do Rio, e não em São Paulo, é um recurso publicitário para atenuar a desaprovação a Marcello Alencar, comprovada pelo Datafolha com o seu penúltimo lugar na aceitação popular aos governadores. Mas a desproporção entre o fato e o bate-caixa, aos quais os escaldados fluminenses mantêm-se alheios, foi insuficiente para levar uma porção de figuras a perceber o intuito apenas publicitário: estão preferindo consumir seu tempo com o que chamam de ``guerra fiscal", ou de impostos, entre os Estados.
Jogar com impostos, criando-os ou dispensando-os, aumentando-os ou os reduzindo, é um instrumento de política administrativa para qualquer governo, seja federal, estadual ou municipal. O que o governo fluminense fez, concedendo benefícios à Volks em relação a impostos, é o trivial, e foi assim que a indústria automobilística se implantou em São Paulo. Se fosse, como diz o ofendido governador Mário Covas, ``concorrência desleal", ele deveria dizer o mesmo ao governo do seu correligionário Fernando Henrique, pela dispensa de impostos para exportação, do que resulta a entrada de produtos brasileiros no exterior com preços ``desleais".
Em razão da alegada deslealdade, pretendem o ministro José Serra e o governo paulista que o ICMS, imposto estadual com que jogam as administrações, passe a ser mais um imposto controlado pelo governo federal. Pergunta-se: se São Paulo ficasse com mais esta fábrica, Serra, Covas, Emerson Kapaz e outros estariam expondo a mesma pretensão? Já que defendem tratamento igualitário dos Estados, bem poderiam propor que os demais, e não só São Paulo, recebam do governo federal a concessão de R$ 6 bilhões para pagar dívidas. E, de quebra, R$ 200 milhões idênticos aos que estão saindo, sempre do esfolado Banco do Brasil, para a Companhia Energética de São Paulo, Cesp, como mais um presentinho dos planaltinos para o seu pobre Estado.
Diz a Constituição que o Brasil é República Federativa, ou seja, um conjunto de Estados com leis próprias, mas submetidos a um conjunto de leis para todos, as leis federais. A mal-denominada democratização não acabou com o hábito da ditadura de invadir o âmbito legislativo e administrativo de cada Estado. A Constituição de 88 reduziu-o um pouco, mas agora mesmo está o ministro Bresser Pereira pretendendo legislar sobre os funcionalismos estaduais e municipais, para torná-los demissíveis. Ao autoritarismo não importa a inconstitucionalidade, o princípio federativo não interessa. Até porque ter noção destas coisas não é próprio dos autores desta obra que Fernando Henrique chama, tão apropriadamente, de desconstitucionalização -a meta principal, não há dúvida, do seu governo. É isso: liquide-se a Constituição, destrua-se a Federação, mas não se admita que algum Estado, e nem é preciso que seja do Nordeste, fique com uma lasquinha insignificante do que o Brasil sempre viu, vê e verá ainda destinar-se a São Paulo, capital Brasília.

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