São Paulo, quarta-feira, 19 de julho de 1995
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Sarampo e futebol

Em ``O Mundo como o Vejo", Albert Einstein escreveu: ``O nacionalismo é uma doença infantil. É o sarampo da humanidade". De fato, o nacionalismo, mais do que todos os outros ``ismos", obnubila a visão objetiva dos fatos e permite que de uma mesma ação se extraiam as mais diversas interpretações -normalmente bastante desequilibradas.
E, se há um campo em que o nacionalismo costuma manifestar-se com grande frequência, são justamente os campos de futebol. Uma rápida comparação das manchetes dos jornais brasileiros e argentinos sobre a partida entre os dois países anteontem sugere uma forte animosidade entre os comentaristas esportivos das duas nações.
Antes de mais nada, o fato. É incontestável e facilmente verificável que o jogador Túlio tocou a bola com o braço antes de marcar o segundo gol do Brasil, levando assim a partida para os pênaltis. Como todo mundo sabe -inclusive o árbitro do jogo-, no futebol, ao menos em sua versão britânica, todos os jogadores exceto os goleiros não podem tocar a bola com as mãos, braços ou antebraços.
A maioria dos jornais brasileiros saíram com manchetes destacando a vitória brasileira nos pênaltis. O notável erro do juiz mereceu apenas secas e rápidas referências.
Já do outro lado do Prata, a imprensa foi mais veemente. ``Roubo descarado", ``Erro escandaloso", ``Meteram a mão na seleção", ``Brasil ganhou com a mão do diabo" foram alguns dos qualificativos escolhidos pela imprensa portenha para descrever a partida. O próprio presidente Carlos Menem falou em ``roubo monumental".
Entre menosprezar a importância que a surpreendente falha do juiz teve para o resultado do jogo e atribuir apenas a ela a responsabilidade pelo placar final, o melhor é aceitar -como já o faz a própria regra do futebol- os conceitos de falibilidade humana e acaso. O próprio Maradona bem como Pelé já se beneficiaram -e aos seus países- do solecismo de alguns árbitros e fizeram gols com as mãos.
Um comentário -talvez um pouco cínico, mas não menos verdadeiro- de Schopenhauer fecha muito bem essas considerações sobre o nacionalismo: ``Toda nação troça das outras e todas têm razão".

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