São Paulo, quarta-feira, 2 de agosto de 1995
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Totó glorifica preguiça e pequenos golpes

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Embora o segundo (com um desfecho metalinguístico) tenha superado de muito as minhas expectativas, os melhores ainda estavam por vir. Espero que a Reserva Especial nos reserve, para breve, ``Guardas e Ladrões" (1951), da dupla Steno-Monicelli, e ``Eternos Desconhecidos" (1958), de Monicelli, as duas mais exuberantes aparições cinematográficas de Totó. Seu verdadeiro nome, como o de Oscarito, era enorme: Antonio Furts de Curtis Glagiardi Griffo Folas Commento di Bisancio. Seu pai teria sido conde, também napolitano.
Totó, porém, criou-se como plebeu, sob lonas de circos, em teatros de revista e agregado a trupes mambembes, transformando-se no maior histrião da Itália, no Chaplin mediterrâneo, reverenciado por todos os grandes autores do país.
Só Luchino Visconti não o teve diante das câmeras. Com Vittorio De Sica ele fez ``O Ouro de Nápoles"; Roberto Rossellini e Federico Fellini (na sequência final) o dirigiram em ``Dov'è la Libertà"; e Pier Paolo Pasolini não resistiu à tentação de usar três vezes o ``príncipe de borracha" em seus filmes. De borracha porque não era apenas com o rosto que ele fazia coisas formidáveis.
Encarnação irreverente de Polichinelo (a marionete desarticulada), sua maneira de decompor o corpo, isolando suas extremidades, até torná-lo quase inumano, abstrato, e às vezes mimético (como o corvo em que se transforma em ``Gaviões e Passarinhos", de Pasolini), impunha limites a qualquer diretor, exigindo tomadas sem cortes. O que talvez explique a pobreza estilística da maioria dos filmes em que atuou.
Bonachão e astucioso, era o malandro napolitano por excelência, mestre na glorificação da preguiça e em pequenos golpes no próximo. Fellini o considerava uma ``eterna criança", um anjo bizarro, uma criatura lunar, cética e elegante, impalpável como um sonho, que, contrariando a espécie, não fazia chantagens sentimentais nem concessões ao patético.
Seu volutuoso prazer em reinventar a língua, distorcendo-a com regionalismos, ablações, elipses e disritmias, ensandecia os demais personagens e, como a algaravia de Cantinflas, merecia um estudo à parte. Em ``O Rapto das Sabinas" e ``Uma Esposa Para Totó", ele faz misérias com o italiano. E até com o latim.
São duas chanchadas legítimas, sem ganhos muito notáveis sobre as que se faziam aqui na Atlântida. Com os mesmos elementos básicos: artistas tesos, identidades trocadas, esposas tirânicas, perseguições bufônicas, bailes tumultuados etc. Convém lembrar que uma das origens da palavra chanchada é o italiano ``cianciata".
Na primeira, Totó leva na conversa um professor interiorano com veleidades a autor teatral. Na segunda, muda de ramo artístico, trocando o teatro pela escultura, mas continua pobre e afeito a expedientes pouco recomendáveis.
Sem dinheiro para pagar uma modelo, inspira-se na do pintor vizinho, através do buraco da fechadura. Porque sempre falta alguma coisa em suas esculturas, identifica-se como um artista``absenteísta". Nas criações de Totó, o ator, nada faltava. A perfeição não admite lacunas.

Vídeo: O Rapto das Sabinas
Direção: Mario Bannard
Elenco: Totó, Carlo Campanini, Clelia Matania, Aldo Silvani
Vídeo: Uma Esposa para Totó
Direção: Carlo Ludovico Bragaglia
Elenco: Totó, Marisa Merlini
Distribuição: Reserva Especial (tel. 011/605-6101)

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