São Paulo, quarta-feira, 2 de agosto de 1995
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Trabalhar a favor da mudança inevitável

BILL GATES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Só porque alguém com uma calculadora acha que sou um empresário riquíssimo não significa que eu seja um gênio. Meu sucesso nos negócios é o resultado de minha habilidade em almejar objetivos a longo prazo e ignorar as distrações a curto prazo. Ter objetivos a longo prazo não exige talento, mas dedicação.
Como líder, é preciso permanentemente se perguntar: a tecnologia que construí funcionará a longo prazo? As relações com o cliente evoluirão a longo prazo? A maneira como determinei salários e incentivos na empresa funcionará por muito tempo?
Quando um empreendimento parece saudável, é difícil se comportar como se houvesse uma crise. Eis porque uma das partes mais difíceis em gerenciamento, especialmente em empreendimentos de alta tecnologia, é reconhecer a necessidade de mudança e mudar enquanto é tempo. É preciso estar vigilante para perceber a onda de mudança; nem sempre é fácil competir para mudar.
Quando o ambiente competitivo de uma empresa está mudando, ajuda bastante se o líder se ergue e diz: ``Vamos levar isso adiante. Vamos usar alguns de nossos recursos e ir adiante". Infelizmente, é raro isto acontecer.
O que em geral acontece é que alguns empregados que vêem surgir uma grande mudança, soam o alarme. Esse aviso pode ser seguido por um período em que nada parece mudar, provocando críticas aos alarmistas: ``Esses sujeitos disseram que teríamos problemas, mas as vendas continuam ótimas!" Bem, os alarmistas talvez tenham se enganado quanto à época em que a mudança ocorreria, mas não estavam errados ao se alarmar.
Mudanças estruturais não acontecem da noite para o dia. A indústria de pneus demorou décadas para sentir a queda nas vendas devido aos pneus radiais, que duravam mais do que os pneus de vincos e linhas oblíquas que eles substituíram. Os radiais foram lançados por Michelin em 1948, mas foi somente no ano de 1980 que os fabricantes de pneus começaram a fechar algumas de suas fábricas ou as venderam para seus rivais.
É fácil, depois do acontecido, acusar os líderes de não terem conseguido adaptar suas empresas às mudanças.
Se os fabricantes de carros americanos tivessem reconhecido que os japoneses eram melhores na produção e tivessem usado isso para recobrar forças na época, teriam evitado alguns dos problemas que enfrentaram depois.
Se a IBM e outros fabricantes de computadores de grande porte tivessem reconhecido a importância do computador pessoal anos antes, teriam se adaptado mais facilmente para diminuir o papel do mainframe. Foi um azar John Akers estar dirigindo a IBM quando ficou absolutamente claro que mudanças estruturais haviam pego a companhia de surpresa. Akers era um ótimo executivo, muito profissional. Se tivesse dirigido a IBM durante uma era estável, seria elogiado hoje. Em vez disso, renunciou ao cargo em 1993, em parte para assinalar a necessidade de mudança em sua empresa. Admiro a maneira como colocou os interesses de sua empresa à frente dos seus.
O destino de Akers serve como aviso de como as coisas podem ir mal quando os grandes líderes não olham para um futuro distante. É fácil perder a visão do futuro pois não se paga por muito tempo o preço por erros a longo prazo.
É claro que uma empresa deve ter objetivos a curto prazo. Mas objetivos a longo prazo e estratégias são essenciais para um sucesso duradouro. Empresas que enxergam longe lutam para construir novas tecnologias, sistemas e relações que anteciparão as exigências do futuro.
Na minha empresa, por exemplo, ao contratar alguém damos preferência às pessoas com potencial em vez de pessoas com experiência porque, a longo prazo, potencial é mais valioso que experiência.
Se o empregado ameaça ir embora caso não consiga um aumento ou uma promoção, em geral deixamos que saia, mesmo que isso possa causar problemas a curto prazo. É melhor para a empresa praticar uma política de emprego a longo prazo do que ser dominada por considerações a curto prazo.
Há uma década, previ o software em discos de CD e a Microsoft se lançou à frente. O mercado levou mais tempo para se desenvolver do que eu esperava, mas continuamos a investir a longo prazo, e essa estratégia se mostrou correta.
Mais recentemente, vi que o sucesso da Internet significava uma mudança estrutural nas indústrias de computação e comunicação. Pensei que as redes de computador alcançariam uma importância histórica, mas só há pouco tempo acreditei que a Internet se tornaria a principal.
Meu pensamento mudou quando percebi que os custos da comunicação estão baixando tão rapidamente que a Internet pode, em um futuro próximo, evoluir e se tornar uma rede capaz de servir milhões de pessoas. Os obstáculos técnicos ao sucesso da Internet estão desmoronando.
Tais mudanças nos levam a reavaliar criticamente nossos planos a curto e longo prazo. Uma de nossas prioridades é a de produzir apoio à Internet no ``Windows", por exemplo. E a rede Microsoft, como outros serviços comerciais como CompuServe e Prodigy, está evoluindo para se tornar parte da Internet.
Duvido que há um ou dois anos qualquer dos serviços on line pudesse prever o papel líder assumido pela Internet. Mas agora que a mudança é aparente, os serviços correm para acompanhar isso.
É exatamente o que se deve fazer. Quando a mudança é inevitável, você deve não só vê-la mas aderir a ela e fazer com que trabalhe a seu favor.

Cartas para Bill Gates, datilografadas em inglês, devem ser enviadas à Folha, caderno Informática, pelo correio -al. Barão de Limeira, 425, 4º andar, CEP 01202-900, São Paulo, SP- ou pelo fax (011) 223-1644. A correspondência pode ser enviada a Bill Gates no endereço eletrônico askbill@microsoft.com.
Tradução de LISE ARON.

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