São Paulo, quarta-feira, 2 de agosto de 1995
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Questão de biografia

CARLOS HEITOR CONY

O primeiro semestre deu ao governo a possibilidade de barganhar com o Congresso. Afinal, a moeda que circulou para pagar os apoios foi legal: o governo tinha cargos a preencher e teria de fazê-lo com pessoas indicadas pelos congressistas e líderes dos partidos que formam a sustentação do presidente da República.
Agora, iniciando-se a segunda metade do ano, essa moeda praticamente acabou. Temos na memória o custo da operação que deu o mandato de cinco anos para José Sarney. Sabe-se que Fernando Henrique considera curto o mandato de quatro anos. Uma senha para abrir a porteira da reeleição.
Evidente que o governo, como um todo, e FHC em particular, não terão maiorias no Congresso de graça. O que vai rolar por aí é imprevisível. Ninguém acredita que a copa-cozinha do Planalto vá gastar munição para garantir a reeleição dos atuais prefeitos, já no ano que vem. A porca torcerá o rabo mais tarde -e, aí, o vale-tudo valerá mesmo.
Para ser eleito, FHC prometeu os cinco dedos -e nenhum deles foi operacionado. A abertura da navegação de cabotagem, por exemplo, nunca foi prioridade nacional, nem sequer foi mencionada na campanha eleitoral e já está na bica de ser aprovada definitivamente.
Compreende-se a demagogia: ele precisava ser eleito pelo povo e foi obrigado a falar em educação, saúde, segurança, esses babados de comício. Montado no poder, tendo como alvo eleitores personalizados (os congressistas), FHC terá de prometer não 5, mas os 20 dedos que possui: 10 nas mãos e mais 10 nos pés.
Alguns presidentes, uns mais, outros menos, sempre pensaram na possibilidade de reeleição. É humano. Mas a hipótese só vinha no final do mandato, quando sentiam que tinham realizado um governo dinâmico. Foi o caso de JK, que logo afastou a tentação quando achou que a mudança na Constituição para beneficiá-lo sujaria sua biografia.
FHC parece não ter esse escrúpulo. Já dividiu sua carreira pública de tal modo que não se deterá diante de nada.

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