São Paulo, quarta-feira, 2 de agosto de 1995
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Política monetária perversa

ANTONIO DELFIM NETO

Antonio Delfim Netto
Para facilitar o entendimento do processo econômico os economistas lançam mão de simplificações. É comum, por exemplo, considerarem-se todas as empresas privadas como sendo uma espécie de conglomerado gigante e todas as famílias com as mesmas necessidades e preferências. Do ponto de vista metodológico isso simplifica dramaticamente a análise e torna possível a apreensão das reações desses entes abstratos aos estímulos produzidos na economia.
O interessante é que com algumas hipóteses de comportamento (as empresas procuram maximizar seus lucros, e as famílias, o seu nível de bem-estar) podem-se deduzir algumas proposições empiricamente testáveis. Elas mostram, por exemplo, que, a despeito da dramática simplificação, pode-se saber em que direção (não em que magnitude) reagirão as empresas a um aumento de salário real ou o consumo das famílias a uma variação dos preços relativos.
Como é claro, uma tal economia de informação produz também magros resultados. Assim, por exemplo, ela esconde a discriminação que se estabelece entre as grandes, as pequenas e as médias empresas, em resposta a uma errática política monetária.
O canal de transmissão da política monetária é simples: o banco central reduz as reservas do sistema bancário vendendo títulos ao público e, assim, reduz a oferta monetária. Se os bancos não tiverem reservas excedentes, isso os leva a reduzir os empréstimos bancários. Como a demanda de moeda continua a mesma, as taxas de juros sobem até que, de novo, oferta e procura sejam iguais. Essa elevação da taxa de juro produz uma redução do nível de dispêndio na economia: os investimentos das empresas são postergados, e as famílias reduzem suas compras de bens duráveis.
O problema é que o efeito da restrição de crédito não é o mesmo para cada uma das empresas. As empresas grandes multinacionais e nacionais têm outros canais para obtenção do crédito a juro de mercado e, por terem maior tradição e garantias, continuam a ter suprimento bancário, interno ou externo, ainda que a juro mais alto. As pequenas e médias empresas sofrem outra consequência. Os bancos, percebendo que a taxa de juro de mercado vai subir e que ao mesmo tempo haverá uma redução da demanda global, prevêem que a margem de lucro dessas empresas será reduzida e, porque seus clientes sofrerão por igual, elas provavelmente terão menos capacidade para saldar seus compromissos.
Inicia-se um ciclo perverso. Os bancos tornam-se muito mais exigentes na seleção dos empréstimos e, para cobrir os riscos adicionais, aumentam a taxa de juro, o que aumenta ainda mais o risco de inadimplência de firmas que eram saudáveis economicamente e hígidas financeiramente. Aos poucos a seleção bancária torna-se tão forte e a taxa de juro dos empréstimos tão alta, que se desenvolve um sistema paralelo de crédito. Essa desintermediação financeira aumenta a ineficiência da economia. No limite, a sociedade tenta defender-se criando novas formas de moeda (como o cheque pré-datado). Desarticula-se o sistema produtivo e destrói-se o estoque de iniciativa de inventividade e talento latente nas pequenas e médias empresas. Esse é o resultado que colhe o economista que ignora os fundamentos de sua própria teoria.

Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

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