São Paulo, sábado, 5 de agosto de 1995
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Controle externo do Poder Judiciário. A quem interessa?

ANTÔNIO CARLOS VIEIRA DE MORAES

Em palestra proferida aos magistrados paulistas, sobre a reforma do Poder Judiciário, voltou o Ministro da Justiça Nelson Jobim a sustentar a tese de serem o controle externo, a avocatória, a súmula vinculante instrumentos necessários para fazê-la. Com o brilho e a inteligência que lhe são próprios, defendeu que a atual reforma constitucional deveria ser norteada pela busca do interesse do cidadão.
Creio, porém, não estar aí o caminho para que se atinja o Judiciário desejado, desenhando-se tais soluções, muito mais, como profundo golpe ao Estado Democrático.
Passam os Poderes do Estado por profundas modificações e o Judiciário não pode nem deve ficar fora delas. É tempo de modernização e moralização e não me alinho dentre aqueles que vêem-no despido de quaisquer falhas. Ineficiências, imperfeições e mazelas há, e não são poucas, maiores em alguns Estados da Federação, menores em outros, mas sempre presentes.
Em minha visão, contudo, o nascedouro dessas idéias reside muito mais na eficiência que o Poder vem demonstrando, na última década, do que nos vícios apontados. Como jamais ocorrera antes, suas decisões começaram a afrontar os interesses daqueles que detinham ou detêm os Poderes neste país, as elites dominantes. Desagradou-se o Governo de então, com o desbloqueio das contas e aplicações financeiras; descontentaram-se as instituições financeiras ao determinar que restituíssem aos aplicadores correção monetária que exigiam dos financiados; contrariaram-se grandes interesses ao se fazerem efetivamente respeitadas as normas de defesa do meio ambiente e dos direitos do consumidor.
Enquanto o Judiciário, de modo disciplinado e dócil, decidia em conformidade com os interesses dessa elite, as mencionadas ineficiência e mazelas não constituíam problema algum. Mas bastou que Poder, ainda que timidamente, começasse a buscar a vocação que lhe impõem os tempos modernos, para que, de imediato, passassem essa elite e a grande mídia a empunhar a bandeira da moralidade, a apontá-lo como a causa de todos os males que afligem nossa nação.
Notório é que tais idéias encontram apoio em muitos pensadores progressistas, políticos e homens públicos sérios e bem intencionados, dentre os quais necessário incluir o ministro Jobim e o deputado José Genuíno. Entretanto, dado o devido respeito que merecem, de forma inconsciente e realmente desejando um aperfeiçoamento do Poder Judiciário, acabam por fazer o jogo daqueles que nenhum interesse têm nesse sentido, muito pelo contrário.
Em verdade o que se pretende é engessar o Judiciário, para que volte a decidir disciplinadamente como em tempos outros, não sua modernização ou moralização. O controle externo, segundo os modelos propostos, ao ter a faculdade de interferir na promoção, remoção ou fiscalização, prestar-se-á ao patrulhamento ideológico e doutrinário do magistrado de primeira instância e dos tribunais inferiores, os quais, decidindo contrariamente ao entendimento ou interesse dos integrantes desse organismo controlador, representante da elite dominante, estarão permanentemente sujeitos a punições administrativas, sob vários fundamentos.
Este o caminho seguro para, de forma indireta, influir na atividade jurisdicional. E, em nome da estabilidade das relações jurídicas e da previsibilidade das decisões judiciais, apresentam-se a súmula vinculante e a avocatória.
Passam juízes de primeira instância e tribunais inferiores a, impedidos do exercício de seu livre convencimento, ficar obrigados a decidir segundo a orientação dos tribunais maiores, estes agindo como legisladores sem ter legitimidade a tal.
Sujeitam-se as partes a ver retirada de seu juiz natural, pela avocatória, a apreciação dos respectivos conflitos, remetendo-os diretamente ao tribunal supremo.
Atentam, pois, semelhantes soluções contra o estado democrático porque roubam do magistrado a independência no decidir segundo seu convencimento e atribuem ao Poder Judiciário a função de legislar, fixando súmulas vinculantes.
O caminho para que as inegáveis deficiências do Judiciário possam ser superadas, afastando qualquer ameaça a democracia, ao fortalecimento do estado federativo e à independência dos Poderes, encontra-se dentro dele mesmo e se faz por meio da democratização de seus órgãos diretivos, mediante a eleição direta, por todos os magistrados em atividade, de seus integrantes.
Imperioso, portanto, que melhor se reflita sobre tais remédios, indagando a que propósitos efetivamente servem e se farão o Poder Judiciário acessível a todos, ágil e íntegro, como desejado pelo cidadão comum, necessário ao Brasil moderno e democrático.

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