São Paulo, quinta-feira, 24 de agosto de 1995
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Quartéis acalorados

JANIO DE FREITAS

O projeto de indenização às famílias de desaparecidos durante o regime militar, em discussão há meses, de repente traz à tona reações radicais de militares, mas, na verdade, o projeto está sendo utilizado como oportunidade de extravasar a indignação que vem de mais longe e é muito mais extensa. E com más perspectivas.
Silenciosos até há pouco, os militares talvez sejam o segmento social mais insatisfeito, para usar uma palavra branda, com o governo de Fernando Henrique Cardoso. Sua indignação desenvolveu-se em três planos -o institucional, o profissional e o pessoal.
Os militares não fizeram oposição explícita às reformas propostas pelo governo. Mas o fim do monopólio do petróleo e a abertura do transporte costeiro a empresas estrangeiras são por eles vistos, a partir dos seus estudos de geopolítica e estratégia, como contrários aos interesses nacionais.
O mesmo se passa em relação ao fim do controle estatal das telecomunicações, mas nesse caso entram ainda certas desconfianças agravantes, em relação aos propósitos do ministro Sérgio Motta e do presidente. Essas três iniciativas do governo não foram digeridas pelos militares e não é provável que venham a sê-lo em futuro próximo, tão opostas são às suas concepções do interesse nacional, que nada têm a ver com nacionalismo ideológico. É ótica militar.
Os cortes de verbas orçamentárias têm sido, e não de agora, motivo de queixas públicas. Aos cortes, porém, o governo acrescentou a retenção ou atraso de verbas inscritas no Orçamento, criando repentinas dificuldades que chegam, com frequência, a ser consideradas como manifestação deliberada de desprestígio. A recente comunicação do governo de que estaria liberando R$ 330 milhões para a construção de um submarino e de uma corveta teve a finalidade de aplacar o mal-estar na Marinha, mas não consta que o tenha conseguido: as carências do dia-a-dia continuam e são grandes, se comparadas com o tido como indispensável.
Por fim, há o problema dos soldos. De modo geral, estão muito baixos. Há muito tempo e agravando-se cada vez mais. Os militares, parece que sem exceção, sentem-se humilhados pelo tratamento salarial que vêm recebendo. O acréscimo de 20%, que lhes está sendo concedido, faz ouvir-se mais irritação do que alívio: é visto como um sossega-leão que não sossega, porque pretende apenas protelar sem maiores protestos um tratamento exasperante.
Protelação que é entendida como a véspera do pior: os militares estão convencidos de que a pretensa reforma administrativa vai prejudicá-los gravemente. O ministro Bresser Pereira não faz idéia, felizmente para ele, do seu conceito entre militares. E eu é que não vou reproduzi-lo, pela desafeição por certas expressões que seriam necessárias.
Mesmo que não seja generalizada, é muito difundida nos militares a idéia de que, em tudo isso, há certa dose de revanchismo, proposital ou não. A idéia não faz sentido. Mas a exaltação tem muito mais sentidos do que os expressos pelas reações radicais ao projeto das indenizações. A temperatura nos quartéis está altíssima. No governo, não. Ou ainda não.

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