São Paulo, quinta-feira, 24 de agosto de 1995
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Incompreensão e desemprego

SÉRGIO MAUAD

A sociedade tem assistido, a olhos vistos, a uma brutal queda de ofertas de vendas no mercado imobiliário. E vive a frustrante expectativa da consequente queda de ofertas de imóveis para alugar, num clima já tradicionalmente escasso desse caro produto. Empresas existem, e com grande potencial desenvolvimentista, plenamente aptas para atender à demanda reprimida.
No entanto, vivemos uma sequência de governos federais, com o elogiável propósito de conter a inflação, em que é claro o poder dado às equipes econômicas, que se colocam como mandantes de um processo extremamente complexo, muitas vezes fechadas aos indispensáveis subsídios setoriais.
Em geral são economistas, acadêmicos, de grande valor teórico intelectual e que carecem da vivência prática. Hoje o Brasil passa por esse processo, no qual outras áreas do governo, como, por exemplo, um ministério encarregado do desempenho da indústria e do comércio, ficam aparentemente atadas em certos segmentos, submissas a uma política teórica que sufoca setores produtivos, com consequências sociais, e mesmo econômicas, perversas a curto e médio prazos.
No setor imobiliário percebe-se claramente a insuficiência cultural imobiliária dos economistas ao ditarem leis, como nas recentes medidas provisórias, que truncam o processo produtivo, põem na rua empregados que dormem no emprego e comem das refeições oferecidas pela empresa, além privá-los do convênio-saúde, entre outros benefícios.
Some-se a isso a falta de apoio das áreas jurídicas do governo, aparentemente também relegadas a um segundo plano. Do afã de atingir os objetivos puramente econômicos resultam redações ruins, termos chulos e consequentes textos de interpretações dúbias, que ferem a Constituição federal e causam conflitos de classes.
As duas últimas medidas provisórias, de números 1.053 e 1.079, ferindo a Constituição federal, conforme parecer jurídico do professor-doutor Miguel Reale, pretendem desequilibrar econômica e financeiramente os contratos de compra e venda de imóveis.
Tal desequilíbrio está claramente demonstrado em parecer feito pela consultoria MCM, assinado pelo professor Mailson da Nóbrega e seus associados, evidenciando a impossibilidade de uma empresa produzir um imóvel para entrega futura e/ou receber créditos de longo prazo. Ambos os pareceres foram solicitados pelo Secovi-SP. É um setor que precisa ser desregulamentado e não desindexado.
Em decorrência, os lançamentos imobiliários foram suspensos, represando todo um mercado. Claro que os preços de venda e locação tendem a subir. Cada edifício que deixa de ser iniciado -e só em São Paulo foi um por dia desde a edição da MP 1.050, publicada em 1º de julho- são 200 empregos diretos que deixam de ser criados, quer seja para reabsorver postos de obras concluídas, quer seja para novos postos.
Somem-se a isto os empregos indiretos, na proporção de dois por um -ou seja, para cada obra mais 400-, e tem-se um comprometimento virtual de 600 postos de trabalho por obra.
A carência cultural de conhecimentos práticos da atividade imobiliária pela equipe econômica deixa rastros marcantes.
Na área social, não há uma política de habitações populares. Pior, pontualmente nosso ministro do Planejamento anunciou a disponibilidade de recursos -por sinal pequenos- vindos do FGTS para atender à demanda de baixa renda. Parece ter-se esquecido de que dinheiro do FGTS é remunerado pela TR, manipulada de forma míope pelo governo, se analisada do ponto de vista imobiliário. É uma das consequências das altas taxas de juros desmesuradamente utilizadas no Brasil, que certamente irão para o ``Guinness Book".
Parece haver um conflito na compreensão do processo produtivo de longo prazo, que envolve variações de custo dos insumos ao longo do tempo. Numa obra de dois anos de duração, é impossível o empreendedor prever o comportamento de preços dos mais de mil itens de materiais no decorrer do tempo.
É por isso que, para tais características, usam-se índices setoriais de custo, os quais dão equilíbrio econômico e financeiro aos contratos, impedindo que uma das partes se locuplete em detrimento da outra. Quanto ao crédito de longo prazo, repassado aos compradores, é evidente que também seus custos financeiros têm de ser repassados, com a mesma periodicidade cobrada pelo sistema bancário.
Estamos vivendo a globalização da economia, grandes evoluções tecnológicas de projetos e sistemas construtivos, num esforço empresarial de racionalização que precisa ser acompanhado pelos bem-intencionados homens de gabinete do governo, somando-se na tarefa de aumentar a oferta de casas para a população.
SERGIO MAUAD, 56, é diretor da Construarc S/A e presidente do conselho consultivo do Secovi-SP (Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo).

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