São Paulo, quinta-feira, 24 de agosto de 1995
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O que se está escondendo?

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - Desconfio que acaba de ser produzida a frase-símbolo do cinismo na política. Seu autor é ninguém menos do que o líder do governo no Senado, Élcio Álvares (PFL-ES).
Ao justificar o empenho das lideranças governistas em bloquear uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) sobre a atuação do Banco Central como fiscalizador do sistema financeiro, o senador saiu-se com esta: ``Sabemos como uma CPI começa, mas não sabemos como acaba".
A que ponto chegamos, meu Deus do céu. Primeiro, é mentira. A maioria das CPIs, em especial aquelas que tratam de temas de fato relevantes (como é o caso da CPI agora proposta), consegue produzir um diagnóstico acurado e em profundidade do assunto que investiga. É só o líder do governo se dar ao trabalho de consultar os anais do Congresso.
O que parece evidente é que o governo, por meio de seu líder, exibe temor não ao desconhecido, mas, ao contrário, à hipótese de que a CPI produza um diagnóstico preciso e incômodo da atuação do Banco Central.
Em segundo lugar, é preciso lembrar como acabaram duas das CPIs mais recentes e mais ruidosas dos últimos anos, as do Collorgate e do escândalo do Orçamento. Ao contrário do que diz o senador Élcio Álvares, sabe-se perfeitamente como acabaram uma e outra.
A primeira terminou com um fato inédito na história do planeta, qual seja o afastamento do presidente da República, sob uma catarata de denúncias de irregularidades que caracterizaram falta de decoro para o exercício das funções.
A segunda terminou com a cassação de um punhado de parlamentares, entre eles alguns pesos pesados do Congresso Nacional, em uma das raras ocasiões em que o Parlamento cortou na própria carne.
A frase do líder do governo permite concluir, de novo, que o que se teme não é a incerteza sobre o final de uma CPI, mas a certeza de resultados como os de duas delas.
Qualquer governo deveria ser o primeiro a incentivar uma investigação sobre as relações entre o Banco Central e o sistema financeiro, mais ainda quando surgem (e permanecem) dúvidas sobre a condução do BC em um episódio específico, como o do Econômico.
Por tudo isso, não me ocorre uma outra frase criativa que supere o bordão que diz: quem não deve, não teme.

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