São Paulo, sábado, 26 de agosto de 1995 |
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Brasileiro não gosta de sonegar
WALTER CENEVIVA
Encontro razão jurídica nessa interpretação invocando o estado de necessidade. Busco essa expressão no direito penal, porque está incluída no capítulo das condutas que isentam a pessoa de qualquer punição, ainda que seu comportamento possa configurar um crime. Para os criminalistas acha-se em estado de necessidade a pessoa que pratica o ato anti-jurídico para salvar direito próprio de perigo atual, que não provocou por sua vontade -nem podia de outro modo evitar-, e cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era lícito exigir. O direito penal vai além. Mesmo que o sacrifício do direito ameaçado possa ser razoavelmente exigido, o caso sempre comporta redução da pena. Termino a incursão pelo direito do crime e volto ao tema tributário. Esclareço, desde logo, que nada do que aqui estou a dizer se refere às grandes empresas, providas de bons advogados e auditores, conhecedores do oceano tumultuário das leis fiscais. Refiro-me à imensa maioria das empresas brasileiras (mais de 75% do todo), cuja escala de atividade não lhes permite pagar caras consultorias. Assim, a sobrevivência delas se liga indissoluvelmente à imperativa necessidade de diminuirem gastos, de recolherem menos impostos. O exagero das leis fiscais tornou imperativo que as empresas buscassem a redução tributária. As grandes empresas alcançaram tal objetivo por profissionais habilitadíssimos. As pequenas e médias procuraram o mesmo fim pelo recurso à economia subterrânea, incentivada pelo aranhol fiscal brasileiro e, não esqueçamos, pela forte desconfiança de que o dinheiro arrecadado financia muitas maracutaias e pouco bem estar social. Pagar todos os impostos, contribuições, taxas, encargos nos três níveis de governo (União, Estado, município) constitui, para o pequeno empresário caso típico de perigo atual: se quiser seguir a lei ao pé da letra, ele naufraga no primeiro exercício. Inexiste agente fiscal que ignore tal realidade. O pequeno comerciante, o industrial modesto não provocou tal situação. Ele é vítima da pendularidade: agravados os encargos, aumenta a subterraneidade. Crescida a economia subterrânea, arrocham-se os mecanismos fiscais. Mecanismos fiscais arrochados, alíquotas encarecidas, provocam mais economia subterrânea. Um dia o círculo vicioso ininterrupto vai ter que parar, até porque o pêndulo termina incentivando a malandragem. O que começou como defesa contra a voracidade fiscal, termina vício inevitável e crescente. O modo que pequenos e médios têm de evitar o desastre econômico financeiro nesta época de juros altos -não razoável para quem quer ganhar o pão de cada dia- é pagar menos impostos. Se possível, não os pagar. Trata-se do estado de necessidade tributário. Em vez de reiterar ameaças de mais arrochos, o atual governo -que é sério- deveria ter a iniciativa da lealdade fiscal, com alíquotas compatíveis com a sobrevivência dos pequenos e médios, cumulada com a descomplicação legislativa. Mesmo quem queira pagar seu tributo, hoje se vê, muitas vezes, embaraçado nas complicações da lei. Se os dois objetivos forem desprezados, a roda do estado de necessidade girará mais rápido, ainda que os organismos tributários oficiais inventem modos aprimorados de constatar o que têm chamado de sonegação. Texto Anterior: "Mea culpa" Próximo Texto: Lei antipoluição não sai do papel em SP Índice |
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