São Paulo, sábado, 26 de agosto de 1995
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As nossas elites ainda não mudaram

LUIZ GUSHIKEN; ADACIR REIS

LUIZ GUSHIKEN e ADACIR REIS
Durante um bom período da República Velha, um poderoso senador gaúcho chamado Pinheiro Machado não precisou ocupar o mais alto cargo do país para exercer poder de fato. Sua ascendência sobre o governo federal de então era tão formidável que muitos falavam da "República da Graça", em alusão ao morro da Graça, no Rio, onde residia o coronel. A história de nossa República parece não ter mudado tanto.
Não é de agora que se nota a extraordinária influência do PFL, e em especial do senador Antônio Carlos Magalhães, sobre a Presidência da República. Os expoentes do PSDB que participaram da articulação conservadora com o PFL sabiam o que estavam fazendo, embora tenham procurado vender para seus eleitores a ilusão de que se tratava apenas de uma manobra "para ganhar a eleição".
As velhas elites que professam um liberalismo de palanque, liberais que não se liberam do Estado paternalista e perdulário, sentiram a necessidade de buscar um candidato palatável às classes médias, um verniz para dar continuidade a seu projeto de poder. Encontraram em FHC o candidato que se prestou admiravelmente ao papel.
Lá pelos anos 50, San Thiago Dantas -que veio a ser ministro da Fazenda de João Goulart- costumava dizer que o povo brasileiro, caracterizado por um grande talento criativo, estava à frente de suas elites dirigentes, as quais se mostravam incapazes de "encontrar soluções para os problemas, não só para os criados pelo meio físico e pelas exigências da civilização material como para os de autogoverno da sociedade".
A advertência de San Thiago permanece atual: a incompetência, a voracidade e a falta de compromisso das elites dirigentes com as forças trabalhadoras e produtivas estão jogando o Brasil na barbárie.
Segundo o Banco Mundial, o Brasil de hoje é o campeão mundial de concentração de renda e está em quinto lugar na olimpíada da corrupção. Recentemente, nosso país voltou a ocupar o noticiário internacional, em razão de mais uma chacina de trabalhadores que lutavam por um pedaço de terra.
O espetáculo do Banco Econômico revelou a fragilidade e a insegurança da autoridade máxima do país. Os extraordinários atributos de FHC, ainda que verdadeiros, revelam-se insuficientes para um presidente refém das forças anacrônicas que o entronizaram.
Além de abalar a autoridade do presidente, esse espetáculo evidencia a precariedade instrumental do BC para fiscalizar e monitorar o sistema financeiro nacional. Tornou-se inadiável a regulamentação do artigo 192 da Constituição.
É fundamental que se estabeleçam por lei os critérios para "a organização, o funcionamento e as atribuições do Banco Central e demais instituições financeiras", "os requisitos para a designação de membros da diretoria do Banco Central e a "criação de fundo ou seguro, com o objetivo de proteger a economia popular, garantindo créditos, aplicações e depósitos até determinado valor, vedada a participação de recursos da União".
Nem os correntistas, nem os contribuintes podem continuar sendo vítimas da incompetência administrativa ou da administração criminosa de grupos econômicos.
Acreditamos que a CPI requerida pelo PT para investigar o sistema financeiro poderá contribuir com importantes informações para a regulamentação dessa matéria.
Quanto ao comportamento do senador ACM, que, segundo os meios de comunicação, teria ameaçado o governo com um "dossiê" de irregularidades, vale considerar três hipóteses: 1) os principais jornais do país mentiram, pois ACM não declarou que tinha denúncias sobre irregularidades no sistema financeiro e nada sabia de relações suspeitas entre membros do BC e empresas de consultoria; 2) ACM mentiu, pois teria ameaçado denunciar algo que na verdade não existia; 3) nem ACM nem os jornais mentiram: o senador sabia e sabe de irregularidades na máquina estatal, mas optou por guardar a "munição".
Se for verdadeira esta última hipótese, o senador ACM poderá ser enquadrado no Código Penal por crime de prevaricação. Para efeitos penais, aquele que ocupa cargo, emprego ou função pública, com ou sem remuneração, compara-se a funcionário público.
A jurisprudência é farta em reconhecer que o parlamentar, nesse caso, é considerado um funcionário público. Pois bem, o funcionário público que deixa de praticar um ato de ofício -no caso, denunciar irregularidades na administração pública- para satisfazer interesse pessoal incorre no crime de prevaricação (art. 319 do CP).
Assim, se o senador tem mesmo ciência de irregularidades e não as denuncia, está prevaricando perante toda a sociedade. A Procuradoria Geral da República, com base numa representação de um grupo de parlamentares petistas, tem o dever institucional de esclarecer definitivamente este episódio.
O caso do Econômico poderá ser usado exemplarmente numa aula de história para demonstrar que nossas elites, cuja expressão máxima é o PFL, não mudaram.

LUIZ GUSHIKEN, 45, é deputado federal pelo PT-SP e vice-líder do partido na Câmara. Foi presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo (1985) e presidente nacional do PT (1989/1990);

ADACIR REIS, 26, advogado, é membro do Centro de Estudos Institucionais Pela Cidadania e um dos autores do livro "Roteiro da Impunidade" (Scritta Editorial/ 1994).

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