São Paulo, sábado, 26 de agosto de 1995
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"Kids" desafia adolescentes dos anos 90

DANIELA ROCHA
EDITORA-ASSISTENTE DA ILUSTRADA

Close demorado em um beijo profundo de língua de dois adolescentes, até que Telly, o garoto da cena, quebra o silêncio e diz, em off: ``Virgens. Amo elas". Assim começa o filme que está abalando as estruturas de Hollywood, apesar de seu título inocente: ``Kids" (crianças).
O filme, no entanto, trata de adolescentes entre 13 e 17 anos. Seu diretor é Larry Clark, 52, fotógrafo profissional estreante no cinema. O roteirista é Harmony Korine, um skatista que escreveu o script aos 19 anos (``um gênio", diz Clark).
A história é um relato quase documental sobre o comportamento de jovens nova-iorquinos nos anos 90, sob a ótica de Telly (Leo Fitzpatrick), garoto de 17 anos que sai pela cidade à caça de menininhas virgens (``Gosto delas. Não têm doenças", explica).
Sem falsos moralismos, o filme expõe tudo o que milhares de pais temem que seja verdade: a despreocupação dos adolescentes com o uso de camisinha em tempo de Aids, a falta de perspectiva -apesar de as ``crianças" nem se importarem com isso-, o submundo de drogas, roubo e violência.
É protagonizado por garotos e garotas que nunca atuaram antes. Um dos destaques é Chloe Sevigny, no papel de Jennie, garota de 16 anos ``desvirginada" por Telly que descobre que é HIV positiva por sua causa. Ela passa o todo o tempo correndo a cidade à procura de Telly para contar o resultado do teste, mas acaba encontrando-o tarde demais, quando ele já está com outra garotinha.
O mais legal do filme está na naturalidade da atuação. A sensação de quem assiste seu começo -com tomadas de conversas de meninos e meninas separadamente- é de que havia uma câmera escondida na sala. Mas Clark garante que não houve improvisos e o roteiro foi seguido à risca.
``Kids" foi tão controverso que Clark resolveu lançar outros dois filmes com temática semelhante para fechar sua trilogia -todos eles com roteiro de Harmony Korine, hoje com 21 anos.
Leia a seguir trechos da entrevista com Larry Clark, concedida por telefone à Folha.

Folha - Como o sr. teve a idéia do filme?
Larry Clark - Fui um dia a Washington Square (praça de Nova York próxima à universidade) com meu filho para andar de skate e descobri, conversando com os garotos skatistas que estavam ali, que nenhum deles usava camisinha para transar.
Folha - Foi lá que o sr. conheceu Harmony Korine?
Clark - Foi. Estava interessado na cultura do skate, porque os adolescentes que praticam têm uma incrível sensação de liberdade. Tinha meu skate e minha câmera, fotografando os garotos e pensando em fazer um filme sobre eles, e Harmony era um dos bons skatistas dali. Começamos a conversar até que ele me contou que pretendia parar com o skate para se dedicar a roteiros de cinema.
Ele me mostrou um roteiro para um média-metragem que tinha feito quando estava na escola e achei ótimo. Um ano mais tarde, quando decidi tocar o projeto do filme, pedi a ele que escrevesse roteiro.
Folha - Korine participou da filmagem?
Clark - Ele estava o tempo todo por perto, sempre, mas não atuou.
Folha - ``Kids" levou quanto tempo para ser filmado?
Clark - Seis semanas. Foi uma loucura. Tínhamos um orçamento pequeno, de US$ 1,5 milhão, mas só conseguimos o dinheiro no final do verão -época em que a história se passa. Então, fizemos uma produção rápida de elenco, ensaios e locações. Foi uma loucura. Folha - Como o sr. escolheu o elenco?
Clark - Queria fazer um filme sobre adolescentes com adolescentes e não com atores de vinte e poucos anos no papel de adolescentes. Encontrei-os nas ruas de Nova York. Harmony recomendou alguns de seus amigos.
Leo Fitzpatrick (Telly) encontrei há três anos em uma área para skatistas próxima à ponte Brooklyn. Chloe Sevigny (Jennie) tinha sido namorada de Harmony.
Folha - Foi fácil para eles encenar?
Clark - Fiquei muito surpreso. Eles fizeram um trabalho melhor do que eu esperava.
Folha - Algumas das experiências pessoais dos garotos entraram no filme?
Clark - Não, é um filme de ficção. Leo, por exemplo, não tem nada a ver com o personagem Telly. Quando eu disse a ele o que faria, ele respondeu: ``Mas eu não sou nem um pouco mulherengo!". Chloe é na verdade o oposto da personagem Jennie.
Folha - O sr. acha que o filme traça o perfil de jovens nova-iorquinos ou de jovens que poderiam estar em qualquer cidade grande do mundo?
Clark - O filme mostra crianças de Nova York, mas acho que há algo de universal no comportamento deles. Em toda parte as crianças estão fumando maconha e tomando bebidas alcoólicas. Em todo lugar o jovem pensa em se divertir no presente e não se importar com as consequências do que está fazendo.
Quis fazer um filme real sobre adolescentes contemporâneos e um filme em que eles se vejam na tela e percebam o que estão fazendo, sem que aquilo pareça uma lição de moral, ou uma piada.
Folha - Do que trata seu próximo projeto?
Clark - É um filme que vai se chamar ``Ken Park", sobre a relação entre pais e filhos no subúrbio de Nova York. Este será o segundo filme da trilogia. Mas não pensei ainda na história do terceiro, é um pouco cedo para falar sobre isso. Estou muito ocupado, minha rotina está uma loucura desde o lançamento de ``Kids".
Folha - O sr. também tem filhos pequenos?
Clark - Sim, um menino de 12 e uma menina de 9.
Folha - Eles viram o filme?
Clark - Levei meu filho há algumas semanas para ver.
Folha - O que ele achou?
Clark - Ele gostou. Disse que não esperava que o filme fosse assim. E começamos a falar sobre coisas que antes não conversávamos. Ele aprende na escola sobre sexo e drogas e conversamos sobre isso pela primeira vez.

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