São Paulo, sábado, 26 de agosto de 1995
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Força, Cavallo

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - O ministro argentino da Economia, Domingo Cavallo, está longe, mas muito longe mesmo, de ser santo de minha devoção. Por `ene' razões que não vêm ao caso agora.
Mas suspeito que ele pode estar prestando um serviço ao seu país, aos governos dos países vizinhos, se o exemplo pegar, e também ao jornalismo. Refiro-me ao seu ataque frontal a um jornalista chamado Bernardo Neustadt.
Breve perfil de Neustadt: é titular de um dos dois ``talk-shows" de maior audiência da TV argentina. Faz tempo que goza de bons ``ratings", como os argentinos chamam o seu ibope. Foi defensor da ditadura militar, uma das mais abjetas da história universal.
Quando a ditadura começou a se esfarelar, descobriu um furor cívico incontrolável pela democracia, como se tivesse sido um democrata desde o útero materno. Fica ao lado do governo, seja qual for o governo.
Tanto que, no dia em que o presidente Carlos Menem se reelegeu, em maio, levou-o ao seu programa e brindou pela vitória com champanhe que, salvo erro de memória, se chamava precisamente ``Menem", em um cúmulo de puxa-saquismo.
Esse tipo de gente pode não ser numeroso entre os jornalistas. Mas existe e, ainda por cima, consegue manter-se à tona, com audiência principalmente junto aos poderosos, muito mais do que a média dos profissionais.
Talvez seja natural. É difícil encontrar políticos (não apenas eles, mas principalmente eles) que não gostem de um puxa-saco empedernido, ainda mais se tiver audiência.
Por isso, esses profissionais da subserviência acabam permanecendo por muito tempo na moda, sem que se cobre deles um mínimo de coerência ou compostura.
Agora, Cavallo acusa Neustadt de ser uma espécie de aríete de uma suposta (ou real) máfia empenhada em derrubar o ministro.
Estou condenado a torcer pelo ministro. Se cair, pelo menos agora, vai-se fortalecer um tipo de jornalismo que é mais daninho do que alguns governos e que não viceja apenas na Argentina.

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