São Paulo, sábado, 26 de agosto de 1995
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O direito à suspeita

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA - Todos os governos têm duas coisas em comum: o primeiro ponto de contato são suas intenções nobilíssimas; o segundo, a desconfiança que despertam na sociedade.
Os governos inspiram tantas e tão antigas suspeitas que diria o seguinte: não há sociedades bem governadas. Há, no máximo, povos sem discernimento crítico.
Veja-se o que ocorre agora com Fernando Henrique. Seu governo embutiu no projeto de reforma tributária uma boa idéia: o empréstimo compulsório para regular o nível de consumo da economia.
O mecanismo seria uma alternativa à amalucada política de juros altos, esta sim danosa. A tese do compulsório é, do ponto de vista técnico, defensável.
Mesmo assim, a idéia está sendo fulminada. E por quê? Ora, porque o governo não inspira confiança. Dá-se ao respeitável professor Cardoso menos crédito do que o concedido a José Sarney e a Fernando Collor.
Facultou-se ao Sarney do Cruzado a cobrança do compulsório sobre automóveis e gasolina. Empréstimos jamais devolvidos. Beneficiado pela passividade bovina do Congresso, um Collor em início de mandato fez pior.
O presidente do impeachment decretou o confisco da poupança, a retenção do dinheiro da conta corrente. Uma violência engolida pelo Congresso.
Não se pode dizer que, sob Sarney, o país estivesse fantasticamente bem gerido. Collor dispensa comentários. Bem verdade que, sob holofotes, devolveu o dinheiro do confisco. Mas desviou muito mais à sombra.
Os planos Cruzado e Collor provocaram como que uma falência momentânea do senso crítico da sociedade e do Congresso. Escaldado, o brasileiro de hoje desconfia da própria alma.
Fernando Henrique diz que não planeja lançar mão do compulsório. Quer apenas inscrever o princípio na Constituição. Os ministros Serra e Malan fazem coro.
É provável que daqui a duas ou três décadas, após uma sucessão de governos sérios, alguém comece a dar-lhes algum crédito. Até lá o cidadão seguirá exercitando o saudável direito à desconfiança. Pode errar. Mas dificilmente repetirá o erro da omissão.

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