São Paulo, domingo, 27 de agosto de 1995
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Ricupero volta como secretário-geral da Unctad

FERNANDO RODRIGUES
DA REPORTAGEM LOCAL

Um ano depois de sair da cadeira de ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, 58, se prepara para assumir o mais alto posto já ocupado por um brasileiro na burocracia internacional da Organização das Nações Unidas (ONU).
No dia 15 de setembro, Ricupero deve assumir a Secretaria Geral da Unctad, a Conferência da ONU sobre Comércio e Desenvolvimento, com sede em Genebra (Suíça).
Em 1º de setembro do ano passado, Ricupero perdeu seu cargo por causa de uma conversa captada por antenas parabólicas.
Antes de conceder uma entrevista para a TV Globo, disse para o repórter: ``Eu não tenho escrúpulos: o que é bom a gente fatura; o que é ruim, esconde".
Referia-se à divulgação de números da economia. Depois disso, convocou a imprensa, reconheceu o erro, chorou e pediu demissão. Nunca mais falou sobre o assunto.
``Eu considero que tudo o que eu tinha que dizer já disse", declarou à Folha nesta entrevista, realizada em duas ligações telefônicas para sua residência em Roma, onde ocupa o cargo de embaixador.
Para o cargo na Unctad, Ricupero foi indicado diretamente pelo secretário-geral da ONU, o egípcio Boutros Boutros-Ghali.
A Unctad, criada em 64, tem 450 funcionários e vai atuar paralelamente à recém-fundada Organização Mundial do Comércio (OMC), que também tem a sua sede em Genebra. Antes da sua indiscrição captada por parabólicas, estava cotado para dirigir a OMC.
A seguir, os principais trechos de sua entrevista à Folha:

Folha - Como é a relação da Unctad com a OMC? As funções não se sobrepõem?
Rubens Ricupero - A OMC não faz parte da família da ONU. É uma organização como o Fundo Monetário Internacional, que têm relação estreita com a ONU, mas não é diretamente subordinada. Já a Unctad é um órgão da ONU. A diferença de essência é que com a OMC muitas funções de negociação passaram para ela.
Folha - Quais são essas funções e quais as que ficaram?
Ricupero - A Unctad ainda ficou com atribuições na área de matérias-primas. A Unctad foi o grande centro da negociação dos acordos de produtos de base. Foi a época em que se negociou o acordo do café, do cacau, da borracha.
Folha - E qual é a função fundamental da Unctad hoje?
Ricupero - É basicamente a de ser a fonte de um pensamento alternativo sobre o desenvolvimento. Dentro da ONU, é o grande órgão do desenvolvimento. A essência da Unctad é cuidar do problema do desenvolvimento na inter-relação dos seus elementos.
Folha - Como assim?
Ricupero - As outras organizações se concentram num aspecto da economia mundial. Por exemplo, o FMI trata da estabilidade da moeda. O Banco Mundial cuida de crédito. Já a Unctad é a que deve integrar isso tudo. Ela é o único órgão da ONU que teoricamente deve produzir um consenso mundial sobre o conjunto da economia.
Folha - Como o sr. explicaria para um brasileiro leigo o que representa a presença de um diplomata brasileiro na Unctad?
Ricupero - Eu acho que eu explicaria dizendo que para o Brasil a questão central é o desenvolvimento. E o desenvolvimento é uma causa para a qual a Unctad -não digo que seja a única- é a instituição que tem mais a contribuir em termos de investimento, em termos de eficiência comercial.
Folha - Há um ano o sr. deixou o Ministério da Fazenda. O que há ainda para se dizer do episódio que causou a sua saída?
Ricupero - Eu acho que tudo o que eu tinha que dizer já disse.
Folha - Qual a avaliação o sr. faz da condução do Plano Real?
Ricupero - De maneira geral, as coisas estão caminhando bem. O problema é que o governo ainda não tem meios de cortar gastos. Isso só se resolve com as reformas.
Folha - Teve a intensidade certa a contenção do consumo?
Ricupero - Dá para se manter a inflação baixa com juro alto e repressão ao crédito. Isso se faz enquanto dá. Só que, cedo ou tarde, os problemas sociais -como o desemprego- geram uma insatisfação muito grande contra o plano.
Folha - O que o sr. acha da proposta de reforma tributária?
Ricupero - As idéias me parecem corretas, inclusive a de permitir um imposto compulsório que viria no caso de haver um aquecimento grande do consumo. Isso é bom, mas não resolve as causas estruturais do déficit. O fato é que o destino do plano se joga agora. Tivemos um bom começo, mas agora, com as reformas mais importantes para serem votadas, será a hora da verdade do Plano Real.

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