São Paulo, domingo, 27 de agosto de 1995
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Os fantasmas do sistema financeiro

FERNANDO MONTERO

O caso do Banco Econômico suscita especulações precipitadas sobre a possibilidade de uma corrida bancária. Os esforços do BC para instrumentalizar uma operação de salvamento de depósitos, aliados à restituição de uma parcela importante dos compulsórios bancários, diminuem o risco da disseminação de tensões.
Mesmo longe de uma corrida sobre depósitos, o episódio lembra que essa é uma ameaça latente para qualquer banco e/ou sistema bancário fracionário, i.e., com menos de 100% dos depósitos em caixa. É a confiança do público que mantém o sistema em pé, uma vez que as instituições não guardam nos cofres todo o dinheiro depositado nelas e, por conseguinte, não podem honrar esses depósitos imediatamente à demanda dos seus clientes.
O problema aparece quando essa confiança em relação a uma parte do mercado é quebrada. A desconfiança pode nascer de um banco com dificuldades patrimoniais mas, no pânico, atinge também instituições com dificuldade de liquidez.
Começa aí uma migração de dinheiro de bancos frágeis de maior risco para fortes de risco menor. Na ausência da disposição do banco captador dos recursos de reinjetar parte dessa liquidez para os bancos que perderam, o BC precisa intervir para assumir a função.
É óbvio o custo do papel do BC como emprestador de última instância quando a reinjeção de recursos nos bancos ilíquidos implica risco patrimonial.
A liquidez representada pela linha de assistência financeira ao sistema também preocupa. Enquanto essa liquidez permanecer no sistema, o papel do BC reduz-se a redirecionar os fundos para onde são necessários, assumindo o risco patrimonial que o interbancário recusa.
Mas há vazamento de liquidez para outros mercados, pois não é possível restringir a injeção de liquidez àquelas instituições que o BC quer socorrer. Há, ainda, o risco de uma desconfiança do sistema como um todo, onde o poupador corre para proteção em ativos reais ou mesmo em moeda estrangeira.
Contudo, a situação da economia hoje diminui grandemente o perigo de uma desconfiança generalizada no sistema ou mesmo de um transbordamento da liquidez em outros mercados.
Lembre-se que uma corrida dos depósitos é uma corrida para outras aplicações dentro ou fora do sistema. São basicamente três: títulos públicos, ativos reais e dólares. Nessa ótica, pode-se afirmar que a economia hoje tem a seu favor a credibilidade da dívida federal, os estoques da economia e as volumosas reservas do Banco Central.
Quanto ao primeiro ponto, é inegável o crédito que o mercado confere à dívida federal, tornando-se destino de recursos que fogem do risco privado ou estadual. O comportamento dos agregados monetários em julho evidencia essa demanda pela segurança do papel federal.
Naquele mês, a moeda, na sua definição mais ampla (M4), cresceu R$ 12 bilhões, mas o estoque de títulos cresceu R$ 13 bilhões, refletindo, além dos compulsórios obrigatórios, a demanda das instituições e do público por títulos federais de risco menor (carteira das instituições e fundos lastreados em papéis federais).
Assim, em que pese a expansão dos agregados monetários, de fato se contraiu em julho o crédito para o setor privado e público não-mobiliário.
Do lado das aplicações, não há como descartar alguma fuga eventual do sistema para ativos reais e dólar. Porém, é inegável que a economia está "estocada em ambos. Embora a duração dos estoques seja limitada, hoje o poupador que tira da caderneta para comprar, por exemplo, um carro, tem oferta disponível. Quanto à corrida para o dólar, outro destino clássico da fuga de depósitos, o BC está sentado sobre mais de US$ 40 bilhões.
Como deve ficar claro, o tripé estoques reais, reservas internacionais e credibilidade dos títulos federais afasta o risco da situação do primeiro trimestre de 1990 -vésperas do Plano Collor 1-, em que a economia, sim, se defrontava com uma corrida real.

Hoje, excepcionalmente, ÁLVARO ANTÔNIO ZINI JR. não escreve nesta coluna.

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