São Paulo, domingo, 27 de agosto de 1995
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Liquidez não melhora

LUÍS NASSIF

Engana-se quem imaginar que o afrouxamento do compulsório melhorará a crise de liquidez do sistema. O dinheiro que o Banco Central está injetando na economia destina-se unicamente a melhorar a liquidez de instituições financeiras maiores, impedindo a ampliação da crise financeira.
O dinheiro bate no caixa do banco, e lá permanece. De um lado, porque os bancos não pretendem emprestar dinheiro a instituições menores, através do mercado de Certificados de Depósitos Interbancários (CDI). De outro, porque não se arriscam a emprestar para clientes, com medo da inadimplência. O dinheiro fica entre bancos.
Trata-se de um jogo arriscado por parte do Banco Central. Se esse circuito não for ampliado, aumentará o número de pequenas instituições sujeitas a problemas sérios de liquidez. No atual clima de paroxismo, cada pequena instituição liquidada produzirá um tremor muitas vezes maior do que o seu rombo.
Por isso mesmo, nesse campo há a necessidade de duas providências corretivas urgentes do BC. Primeiro, tomar medidas que ampliem a área irrigada por esse dinheiro liberado. Os bancos líquidos têm de ser induzidos a voltar a emprestar às pequenas instituições, normalizando o mercado de CDIs.
Chega-se a isso reduzindo as taxas das aplicações alternativas -a remuneração das reservas e do BBC. Segundo, agir de maneira menos burocrática na administração dos problemas de pequenas instituições. O caso do Banco Irmãos Guimarães é exemplar. Se acionada, qualquer grande instituição poderia assumir o banco. A própria Bovespa se comprometeu a comprar a carta-patente da instituição, para evitar a quebra. Pouparia prejuízos aos correntistas do BIG e baixaria a poeira dos boatos.
Mas a intransigência do BC parece refletir muito mais a preocupação com as críticas do senador Antônio Carlos Magalhães do que com a segurança dos correntistas.

Recessão
Agora que infelizmente o quadro recessivo é unanimidade, peço licença para lembrar os alertas feitos pela coluna desde fins de abril, quando foram tomadas as medidas econômicas que produziram o desastre atual.
A coluna correu o risco de descrever uma realidade que estava por vir. Acredita ter cumprido com sua obrigação para com a opinião pública. E acredita que o papel nobre da análise é previr o que está por vir, não praticar engenharia de obra feita.
29 de abril - ``O governo vai quebrar o país. Grande parte da economia estava rolando suas dívidas no curto prazo. Ao estancar completamente o crédito, impedindo esse pessoal de rolar suas dívidas, e de financiar as suas vendas, o governo produziu um coquetel mortal. A questão é que a equipe econômica só vai se dar conta do desastre depois que estiver consumado um estrago considerável na economia."
10 de maio - ``Indagado sobre qual seria a reação do governo se as medidas monetárias jogassem o país na recessão, o ministro Pedro Malan respondeu: Corrigiremos a tempo, como sempre tem sido feito."
22 de maio - ``É bom que o presidente da República se dê conta de que persistir nessa política não é suicídio a prazo. A fatura lhe será cobrada daqui a poucos meses, destruindo qualquer veleidade de cacife político para conduzir as reformas."
17 de junho - ``Como a coluna vem alertando desde maio, a crise não se reflete de maneira homogênea sobre todos os indicadores, principalmente quando se vem de uma economia aquecida. Como os indicadores econômicos são naturalmente defasados, durante algum tempo há a convivência entre o inferno da realidade e indicadores cor-de-rosa. É isso -mais o fato de a cobertura jornalística concentrar-se nos grandes grupos econômicos ou nas fontes oficiais- que explica a maior ou menor velocidade com que os veículos aceitaram a crise."
28 de junho - ``Férias coletivas significam o último ato de uma empresa antes de começar a proceder às demissões. Com as férias, ganha algum tempo, e quita parte do passivo trabalhista -já que, demitindo, teria de pagar férias vencidas."
10 de julho - ``A discussão relevante não é ficar nessa firula de tentar adivinhar o dia em que a recessão estará tecnicamente configurada. Já se tem o ambiente recessivo plantado. O que importa é discutir quanto mais se terá de recessão -ou seja, de número de desempregados e de empresas quebradas- a cada dia que o governo postergar medidas de ajuste."

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